“Um Silêncio”: Drama francês aborda relacionamento abusivo para questionar a imagem de homens influentes | 2024
“Um Silêncio” se inicia com um diálogo entre uma angustiada Astrid (Emmanuelle Devos) e uma policial que nos dá a entender que uma situação grave colocou em rota de colisão seu marido e seu filho. O pouco que a cena dispõe só nos fornece a informação de que uma tentativa de homicídio e suas razões estão em pauta. A partir de então a narrativa se vale de um flashback para que possamos unir as pontas soltas que este enigmático primeiro momento nos deixou propositalmente.
Neste recuo no tempo, vamos conhecer a família Schaar, cujo patriarca é François (Daniel Auteuil), um renomado advogado que está empenhado na defesa dos pais de duas crianças sequestradas, razão pela qual sua casa está cercada de jornalistas praticamente vinte e quatro horas por dia. Em meio a esse cenário já conturbado, um fantasma do passado ressurge para colocar em xeque essa figura que ganhou notório respeito ao longo dos vinte e cinco anos de profissão e fazer ruir as frágeis pilastras morais que sustentam sua imagem como homem de família frente a robustas acusações de pedofilia.
O grande problema do longa dirigido por Joachim Lafosse é não dar o óbvio protagonismo necessário a quem de direito. Afinal, a já referida cena de abertura já havia deixado no espectador a impressão de que os eventos narrados seriam vistos pela ótica de Astrid, personagem que poderia ter seu drama melhor desenvolvido pelo roteiro e oferecer muito mais possibilidades enquanto vítima de um homem poderoso e manipulador. Contrariando isso, a trama prefere investir numa sobreposição de eventos, trabalhados de modo um tanto distanciado, para depois praticamente tirá-la de tela por longos minutos e, assim, privilegiar as consequências dos segredos revelados no psicológico do filho adotivo Raphäel. Além disso, fica nítido o equívoco de Lafosse ao optar por uma direção menos melodramática, fazendo, paradoxalmente, da trilha sonora sua única arma para criar algum tipo engajamento, acentuando como ele abre mão de explorar a ótima dupla de atores que tinha em mãos.
Indeciso entre o drama familiar e o flerte com um suspense que a certa altura abandona a dúvida, “Um Silêncio” se propõe a mexer com temas densos como gaslighting e abuso infantil, porém, sem conseguir soar relevante na discussão acerca de nenhum deles. Através de uma abordagem opaca e pouco inspirada, eis uma obra que se mostra incapaz de esmiuçar minimamente as diversas relações que apenas insinua ou – caso esta fosse a intenção – de estabelecer de maneira mais contundente a voz feminina que parece gritar, silenciosamente, por isso.