“Tudo que Imaginamos como Luz” : Com foco no protagonismo feminino, longa indiano vencedor em Cannes entrega excelência em todos os aspectos | 2024
O sucesso de “Ainda Estou Aqui”, reacendeu o debate sobre a relevância do Oscar como principal termômetro de qualidade e visibilidade cinematográfica. Embora seja inegável que, no curto e médio prazo, a premiação mais popular do mundo amplifique o alcance de filmes e cineastas, é essencial valorizar o cinema como expressão cultural, evitando restringi-lo à lógica mercadológica.
Nesse contexto, o caso da Índia é emblemático. Mesmo sendo uma das maiores potências cinematográficas globais, com uma indústria rica e lucrativa, o país jamais conquistou um Oscar nas categorias principais, incluindo Melhor Filme Internacional. Desde a criação da categoria, apenas três produções indianas foram indicadas: “Mother India” (1957), “Salaam Bombay!” (1988) e “Lagaan” (2001). Este ano, o cenário se repete de forma particularmente frustrante. “Tudo que Imaginamos como Luz”, premiado em Cannes e amplamente celebrado nas principais listas de melhores do ano, não foi selecionado como representante do país, possivelmente em função de divergências políticas.
A trama acompanha a jornada de três mulheres cujas vidas se entrelaçam em meio aos desafios da metrópole. Prabha (Kani Kusruti), uma enfermeira, tem sua rotina abalada ao receber um presente inesperado do marido, que vive no exterior, trazendo à tona memórias dolorosas. Anu (Divya Prabha), sua colega de quarto, enfrenta as pressões de um relacionamento proibido com um jovem muçulmano. Já Parvaty (Chhaya Kadam), tenta resistir ao despejo iminente após a morte de seu companheiro.
As protagonistas, apesar de separadas por diferenças geracionais, compartilham uma dualidade marcante: apresentam força e resiliência em sua rotina, mas revelam fragilidade nos momentos de intimidade. Essa sensibilidade contrasta com os homens da narrativa, retratados de maneira desprovida de complexidade, em uma abordagem curiosamente ingênua. Quando a história se desloca para o interior, a narrativa envereda por novos simbolismos, rompendo com a austeridade inicial, o que pode parecer abrupto, mas gradualmente revela um propósito maior. A cineasta Payal Kapadia evita estereótipos frequentemente associados à cultura indiana e rejeita o melodrama, apostando em uma abordagem sóbria e contida. Os dramas, embora profundos, são tratados com uma delicadeza que recusa a exploração emocional óbvia.
Premiado com o Grand Prix, o segundo maior reconhecimento de Cannes, “Tudo que Imaginamos como Luz” é mais um marco na trajetória da cineasta Payal Kapadia, que já havia conquistado o prêmio de Melhor Documentário com “A Night of Knowing Nothing” (2021). Sua presença consistente no festival demonstra uma ascensão notável, agora corroborada por indicações ao Globo de Ouro nas categorias de Melhor Direção e Melhor Filme Estrangeiro. Kapadia não apenas consolida sua posição no cenário internacional, mas também reafirma o potencial do cinema indiano de transcender fronteiras sem se submeter a validações externas.