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“Trilha Sonora Para Um Golpe De Estado”: documentário revela as complexas camadas que conectam arte, poder e violência | 2025

A política do Big Stick foi uma estratégia de diplomacia e intervenção estrangeira adotada pelo presidente norte-americano Theodore Roosevelt no início do século XX. O nome deriva de uma frase atribuída ao próprio Roosevelt: “Fale suavemente, mas carregue um grande porrete, e você irá longe”. Essa abordagem simbolizava a combinação entre diplomacia persuasiva e a ameaça de força militar, com o objetivo de proteger ou promover os interesses dos Estados Unidos. Desde então, o país construiu uma longa e devastadora trajetória de envolvimento em golpes de Estado, algo que, como latino-americanos, sabemos muito bem no que resultou.

No Leste Asiático, episódios como a Guerra da Coreia (1950-1953) e o catastrófico conflito no Vietnã (1955-1975) são exemplos mais conhecidos. Já no continente africano, a interferência norte-americana em golpes foi igualmente frequente, geralmente disfarçada sob o pretexto de combate ao comunismo ou de promoção da estabilidade regional – justificativas que ressoam de maneira inquietantemente familiar. O documentário “Trilha Sonora para um Golpe de Estado” mergulha em um dos capítulos mais brutais desse período: a derrubada de Patrice Lumumba, no Congo, em 1961, orquestrada com o apoio da CIA. Esse ato resultou na ascensão de Mobutu Sese Seko, aliado aos interesses do ocidente, e na instauração de um regime de repressão violenta, marcado por massacres que ceifaram a vida de centenas de milhares de congoleses, incluindo mulheres e crianças, deixando um legado de dor e devastação que ecoa até os dias de hoje.

Em uma de suas irreverentes e bem-humoradas palestras, Ariano Suassuna ironizou a hegemonia cultural dos Estados Unidos ao afirmar que, se quisessem conquistar um país, não precisariam enviar tropas: bastaria despachar Madonna e Michael Jackson. Com essa metáfora afiada, Suassuna destacava o poder “invisível” da cultura popular como uma ferramenta eficaz de colonização cultural. Em “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, o título sugere uma associação direta entre música e política, mas o que se apresenta é uma narrativa nesse sentido mais episódica que associa certas manifestações artísticas a manobras de poder, como quando Louis Armstrong realizou uma turnê no Congo, promovida pela diplomacia norte americana, enquanto a CIA operava nos bastidores, utilizando o evento como distração para avançar seus interesses. Esses são momentos importantes que servem de nós narrativos, mas que raramente ocupam o centro das atenções. Gradualmente, as estratégias de soft power cedem espaço a maquinações mais explícitas, culminando no caos de uma guerra civil.

O formato do documentário não segue os padrões tradicionais, com depoimentos de testemunhas ou descrições de documentos históricos. Com poucos intertítulos e praticamente nenhuma nota explicativa, a narrativa se constrói por meio de material de arquivo: vídeos amadores, reportagens jornalísticas e imagens públicas, incluindo discursos na ONU que, à luz dos fatos, expõem uma campanha de perseguição criminosa. O maior destaque está na montagem, que exibe uma clara influência da Montagem Soviética. As teorias desse movimento, originadas ainda nos anos 20, enfatizam a edição como um elemento central na criação de significado, ultrapassando a simples continuidade narrativa. Um exemplo é o uso recorrente do Efeito Kuleshov, que demonstra como o significado de uma imagem é transformado pela justaposição com outras imagens.

Com sua estética inventiva e análise contundente, “Trilha Sonora para um Golpe de Estado” desvela as complexas camadas que entrelaçam arte, poder e violência. Mais do que uma revisitação histórica, o filme lança luz sobre os ecos que transcendem o passado e reverberam nas dinâmicas geopolíticas contemporâneas. A era Trump chegou e, como em outras ocasiões em que a América se reafirmou ‘grande’, o mundo pagou um preço alto demais.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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