Festival do Rio 2024: “Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal”, de Raven Jackson | 2024
O olhar no cinema é profundamente multifacetado. Com frequência, nos deparamos com histórias lineares, muitas vezes acompanhadas de narração em off, que seguem uma estrutura tradicional com início, meio e fim. No entanto, é igualmente fascinante explorar outras perspectivas. Entre as inúmeras possibilidades, destaca-se a memória. Assim como nos sonhos, reviver o passado é um exercício contemplativo, e a questão que se impõe é: como traduzir essa visão onírica frente a câmera? Raven Jackson enfrenta esse desafio em “Todas as Estradas de Terra têm Gosto de Sal”, um filme permeado por lirismo que culmina em um melodrama agridoce e cheio de nuances
A história percorre décadas da vida de Mackenzie (Kaylee Nicole Johnson), no interior do estado do Mississippi, EUA. A trama revela seu crescimento pessoal, suas paixões e os desafios emocionais, traçando um retrato profundo de suas alegrias e tristezas ao longo de décadas.
O filme é escrito e dirigido pela estreante Raven Jackson, que, além de cineasta, é também poeta e fotógrafa, influências que permeiam toda a narrativa. A maior parte dos planos é composta por câmera na mão, com uma predominância de close-ups e planos-detalhe, em especial aqueles que destacam as mãos e o toque. É notável como a encenação é meticulosamente controlada, tanto nos diálogos quanto nos gestos, deixando pouco espaço para improvisação. O foco nas mãos, por exemplo, ganha relevância, pois em diversas cenas elas se movimentam de forma a ocupar o centro da tela.
Os diálogos são carregados de emoção, com longas pausas dramáticas, e o silêncio, em muitos momentos, expressa mais do que as próprias palavras. Embora possa parecer paradoxal, frequentemente o filme se comunica através do não dito. A sequência dos eventos flui por diferentes épocas, com idas e vindas sem a utilização de legendas ou qualquer indicação temporal explícita. Surpreendentemente, isso não dificulta a compreensão da narrativa. Cada período é marcado por características sutis, como a aparência dos personagens e a conexão entre os acontecimentos, o que permite ao espectador acompanhar a história com relativa facilidade, e bastante proximidade afetiva. Um exemplo do caráter emotivo expresso no longa, é uma longa sequência de um simples abraço, que, apesar da sua simplicidade, carrega uma força emocional avassaladora.
A poesia possui o poder de transmitir sensações, emoções e significados por meio de ambiguidades, símbolos e jogos de palavras. Ainda que frequentemente associada a textos herméticos, a essência de um poema vai além da mera compreensão objetiva, pois sua intenção transcende a simples comunicação de ideias. A estrutura inerente ao poema convida o leitor a uma reflexão densa e a um envolvimento mais íntimo com o texto, em vez de ser algo consumido passivamente. O filme “Todas as Estradas de Terra têm Gosto de Sal” adota uma abordagem similar, exigindo, até certo ponto, um nível maior de entrega por parte do público. Entretanto, essa exigência é recompensada com uma experiência imersiva e profundamente gratificante.