“Salamandra”: Longa estrelado por Marina Föis reencena os processos de colonização por um viés particular e emocional | 2024
Em dado momento de “Salamandra”, Gil (Maicon Rodrigues) entra na piscina de um prédio localizado na orla de Recife e imediatamente é advertido por uma empregada doméstica de que aquela área de lazer é restrita aos moradores. Cenas como essa colocam o primeiro longa dirigido por Alex Carvalho num ponto de observação social que visa ultrapassar o evidente drama pessoal vivido por sua protagonista, Catherine (Marina Föis), fazendo com que muitos dilemas surjam a partir do envolvimento entre essas duas pessoas de universos tão diferentes.
Baseado no romance de Jean-Christophe Rufin, o roteiro escrito pelo próprio diretor coloca lado a lado seres com um latente desejo de liberdade. Ela, uma mulher francesa já madura que sacrificou boa parte da sua vida para cuidar do pai doente, e ele um jovem negro que entre um bico e outro busca a independência financeira. Do encontro fortuito seguido de paquera numa praia, em que o desejo, de início, gritou forte, surge uma relação bem mais intensa, incluindo até planos futuros, sobre a qual vão se interpor alguns entraves relacionados a tudo o que os diferencia numa perspectiva social.
Curioso notar como a trama coloca a personagem vivida por Marina Föis – uma das grandes atrizes francesas do momento, diga-se – como alguém que, a princípio, repete alguns comportamentos típicos da adolescência como aproveitar a viagem da irmã para receber Gil às escondidas. Fica nítido que ela quer, de algum modo, desafiar uma lógica comportamental, que nesse contexto exige prudência às mulheres, e se entregar a uma aventura sem ter que refletir nem por um segundo nas consequências. Só que é no vislumbre de um ideal de estabilidade pelo amor que a realidade se apresenta, sobretudo quando o dinheiro – e dissabores que ele acarreta – ganha terreno na relação do casal, e também quando o patrão do rapaz, interpretado por Allan de Souza Lima, entra em cena.
Embora a pegada seja outra – e “pegada” seja a palavra mais adequada a se usar aqui -, é possível notar que Carvalho acena para o cinema de Eric Rohmer na forma como coloca uma mulher burguesa (e não é coincidência ela ser francesa) tendo que lidar com suas carências em meio a uma desventura amorosa numa cidade banhada pelo mar – observe, por exemplo, a clara referência final a “O Raio Verde”(1986). Fora isso, o realizador faz questão de evidenciar como Catherine e Gil representam, em certa medida, uma espécie de colonização pautada na troca: o corpo jovem e negro, oriundo da pobreza, que “se deixa” explorar para obter algum tipo de ascensão.
Contudo, nesse jogo de dominação aparentemente mútua, “Salamandra” não deixa de decepcionar no seu desenrolar por se deter exclusivamente na perspectiva do europeu, que se deslumbra e é absorvido – repare na cena em que Catherine é literalmente carregada em transe por um bloco – , sem aprofundar para além da necessidade financeira o outro lado dessa moeda. Não que Gil precisasse ser tratado como vítima dentro daquela dinâmica, mas representá-lo apenas como o garoto ambicioso e bom de cama acaba por reforçar a mesma visão burguesa – supostamente criticada pela obra – e que objetifica corpos negros desde sempre. Uma pena…