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“Revoada”: Longa retoma o tema do cangaço e propõe uma nova abordagem sobre o mito de Lampião | 2024

A morte de Lampião em uma embosca na madrugada de 1938 deixou remanescentes de seu grupo revoltados, que decidem partir para uma furiosa e alucinada jornada de vingança. Liderados por Lua Nova e sua companheira Jurema, o bando segue ensandecido, saqueando cidades, roubando ouro, dinheiro e pedras preciosas. A riqueza e o desejo de vingança, porém, chama a atenção de uma volante policial, que os perseguirá implacavelmente.

Esse é o mote de “Revoada”, filme do veterano diretor baiano José Umberto Dias, que entra em cartaz nos cinemas de todo o país no dia 15 de agosto. O longa foi exibido e premiado no 10º Encontro Nacional de Cinema e Vídeo dos Sertões em Floriano, no Piauí. A força motriz da obra está no trabalho dos atores, com destaque para Analu Tavares (Jurema) e Jackson Costa (Lua Nova), que empregam uma atuação teatral interessante, carregada por uma visceralidade dramática muito bem capturada pela câmera nervosa do cineasta.

A proposta do longa é trazer uma abordagem diferente sobre o mito de Lampião. A trama foca no impacto e nas reações que a morte do rei do cangaço gerou em cada um dos membros de seu bando. Lampião não aparece em cena; o argumento do filme centra-se nessa ausência, nas consequências individuais dessa perda. Figura marcante, que gozava de um prestígio quase messiânico, a pergunta que o roteiro levanta é a seguinte: é possível dar continuidade ao legado de luta empreendido por Virgulino Lampião? Esse é o mergulho imaginativo que o filme de Umberto Dias propõe.

Embora tomados pelo imediato sentimento de vingança, logo fica claro que os cangaceiros remanescentes possuem visões distintas sobre como dar seguimento às ações. Lua Nova e Jurema assumem o papel da liderança, convencendo aos demais do bando a continuar com os roubos, invasões e saques, conduzidos pelo mesmo conceito torto e obscuro de justiça apregoado por Lampião. Mas nem todos irão aderir a esse método; alguns não verão mais sentido em continuar nessa jornada de luta e sangue, e suscitam a ideia de entregarem-se aos meganhas; outros preferem a vingança selvagem da peixeira e do bacamarte, promovendo morte e terror indistinto em cada pequena cidade do interior baiano que adentram. Essa dinâmica conflituosa é uma homenagem e uma espécie de grand-finale do cangaço que Umberto Dias promove, resgatando um tema sobre o qual a cinematografia nacional bastante se debruçou nos anos 1960.

Nesse sentido, a referência direta à Glauber Rocha é evidente, tanto no roteiro, nas atuações e nos planos de câmera utilizados. A evocação de uma visão idílica do cangaço, descrita com frases ritmadas típicas da literatura de cordel e capturadas pela estética trêmula da câmera na mão constituem elementos que remetem ao cinema novo, seja como homenagem seja por limitação orçamentária, seara dentro da qual Umberto Dias está acostumado a navegar.

Filmado em belíssimas locações, na paisagem esplendorosa da Chapada Diamantina, a limitação de orçamento é compensada pelos lindos planos retratando imagens da natureza selvagem, mesclada aos vilarejos históricos da região, o que atribui ao filme uma narrativa visual quase fantástica, prejudicada apenas pelo excesso de cortes secos nas transições de cena, que mesmo estando dentro da proposta estética poderiam ter sido melhor trabalhados , talvez com menos volume e intensidade.

“Revoada” é um filme calcado em uma história de vingança, ornamentado por uma série de elementos que exaltam o regionalismo do sertão baiano e que se apoia no mito de Lampião para falar de maneira poética sobre um período histórico que via na bala do bacamarte e na ponta afiada da peixeira a única forma de combater a injustiças que permeavam o interior do Brasil.

Vitor Pádua

Advogado que expia o juridiquês com a paixão pela fotografia e pelo cinema.

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