“Rabia – As Esposas do Estado Islâmico”: longa desmonta ilusões e acerta ao evitar maniqueísmos | 2025

No auge da expansão do Estado Islâmico entre 2013 e 2016, milhares de pessoas de diferentes países viajaram para territórios sob seu controle em busca de uma causa que lhes desse lugar no mundo. A partir desse contexto, “Rabia – As Esposas do Estado Islâmico”, estreia na direção de Mareike Engelhardt, acompanha duas jovens francesas, Jessica (Megan Northam) e Laïla (Natacha Krief), que deixam Paris rumo à Síria, abandonando uma existência à margem, marcada pela rejeição e a falta perspectivas.
Mais que devoção, a fuga se configura como insurgência da realidade vivida, com a fé islâmica operando como meio de sustentar a promessa de um novo começo. No início, a chegada parece acolhedora e a rotina se apresenta em pequenos aprendizados e cumplicidades discretas. Aos poucos, a aparência de acolhimento se mostra armadilha e cada regra fecha mais uma porta, trocando expectativa por submissão.
Nesse universo de clausura entra em cena a personagem Madame (Lubna Azabal), que organiza a casa e orienta comportamentos com mãos de ferro. A relação com Jessica se desenha em uma chave quase materna, em um primeiro momento com firmeza, mas logo em seguida oferecendo atenção a quem se sentiu invisível por muito tempo. Madame opera a partir da falta e encontra nela o ponto de ancoragem para sua autoridade. O filme sugere que a adesão nasce menos de certezas doutrinárias e mais de vínculos íntimos capazes de preencher carências antigas, alinhando o longa a debates contemporâneos sem cair no maniqueísmo.
Há momentos em que a condução explicita causas e efeitos que já estavam sugeridos, o que reduz um pouco a sutileza construída até então. A força das interpretações, porém, sustenta o conjunto. Megan Northam acompanha a metamorfose de Jessica com economia de gestos e sem atalhos emocionais. Lubna Azabal compõe uma Madame sedutora e implacável, capaz de transformar afeto em ferramenta de poder.
Em suma, “Rabia – As Esposas do Estado Islâmico” se afirma como retrato inquietante de como promessas de pertencimento podem se converter em cárcere emocional e social. Os sons da guerra permanecem ao fundo enquanto o verdadeiro combate acontece no âmbito dos vínculos e dos gestos cotidianos.