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“Quando Eu Me Encontrar”: Novo projeto da Marrevolto reflete sobre as consequências de uma partida inesperada | 2024

A Marrevolto vem se consolidando como um selo de prestígio dentro do cenário cinematográfico brasileiro. A exemplo do que a mineira Filmes de Plástico tem feito ao abordar de forma bastante particular a periferia da região de Contagem, o grupo de artistas formado em 2016, que também atua na formação em audiovisual e na realização de mostras e cineclubes, tem ressignificado a configuração temática e estética dos filmes que retratam o povo nordestino. Como consequência, é notória a ampliação do horizonte de possibilidades para além dos estereótipos já consolidados, que ainda insistem em associá-lo somente ao estigma da violência e da miséria dentro de uma espécie de cangaço perpétuo. Obras como o encantador “Inferninho” e o delicado “A Filha do Palhaço”, ambos contando com Pedro Diógenes na função de diretor, diversificam as perspectivas e nos levam a lugares bem mais genuínos e, por isso, tão capazes de representar os dramas e os sonhos de pessoas riquíssimas em suas complexidades.

“Quando Eu Me Encontrar”, novo lançamento da produtora recifense, leva adiante essa proposta ao nos trazer uma história cujo cerne está nas consequências de uma partida. Quando Dayane abandona a casa onde vive com a mãe e a irmã mais nova deixando apenas um bilhete, o foco do longa dirigido por Amanda Pontes e Michelline Helena se fixa nos impactos que essa ausência causará naqueles que ficam, incluindo o noivo com enxoval todo comprado e a melhor amiga cantora de barzinho. Sem retorno após insistentes tentativas de contato em busca de respostas, Marluce (Luciana Sousa) e Mariana (Pipa) tentam seguir com suas vidas: a primeira segue engajada no sustento e na educação da filha mais nova; já essa, por sua vez, lida com a incompreensão da súbita fuga da irmã mais velha ao passo que enfrenta os típicos dilemas de uma adolescente. E na órbita desse núcleo familiar está Antonio (David Santos), que se desespera ao descobrir que a mulher com quem sonhava em se casar foi embora sem qualquer explicação plausível, ao menos para ele.

É possível perceber em “Quando Eu Me Encontrar” um desejo de abordar a maternidade através de lacunas. Propositalmente, a narrativa nos fornece pouco para que qualquer julgamento seja construído – observe, por exemplo, o rápido e tenso diálogo entre Marluce e a mãe. Cabe então ao ótimo trabalho dos atores nos dar elementos para que possamos perceber tantos sentimentos represados e que passam a vir à tona nos dias subsequentes ao sumiço de Dayane, um ser espectral cuja presença se dá apenas pela voz em lembranças ou áudios antigos de Whatsapp. Além disso, nota-se como as diretoras fizeram questão de inserir no filme uma das marcas da Marrevolto, presente sobretudo nas obras de Pedro Diógenes: a criação de um espaço boêmio onde música e bebida funcionam como bálsamo para os dissabores da vida.

Se “Quando Eu me Encontrar” possui alguma falha, ela reside na opção por apontar direções interessantes para seus personagens e deixá-los no meio do caminho. O fim abrupto deixa uma incômoda sensação de que as relações que se ajustavam tinham muito mais a oferecer. Enquanto falam com muita propriedade dos efeitos de uma ausência, Amanda Pontes e Michelline Helena escolhem não nos proporcionar respostas ou soluções para os conflitos, e não há mal algum nisso; contudo, elas não podem culpar quem sair da sessão sentindo, em certa medida, o amargo sabor do abandono.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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