“Plano 75” : Longa japonês debate etarismo e solidão em universo que a eutanásia vira política de controle populacional | 2024
“Plano 75” fez o circuito de Festivais de cinema como a 46ª Mostra internacional de Cinema de São Paulo, ganhou menção especial do prêmio Camera d’Or no Festival de Cannes e foi a escolha do Japão para tentar uma vaga no Oscar 2023 para Melhor Filme Internacional (não foi selecionado…). O Longa japonês enfim ganha lançamento nacional, após um certo atraso das distribuidoras. O filme é originalmente de 2022 e o público brasileiro terá a possibilidade de conferir nas salas de cinema um enredo que traz questões absolutamente pertinentes aos dias atuais: etarismo, solidão e controle populacional.
Em um Japão com alta densidade demográfica e números elevados de idosos no país, o Governo decide implementar uma política pública chamada “Plano 75”, que basicamente dá a opção para que idosos que cheguem aos 75 anos abram mão de suas próprias vidas e recebam para isso um “auxílio preparatório para a morte” de 100 mil ienes para quem quiser usufruir de um certo incentivo de final de vida. Na abertura da história, acompanhamos um dos inúmeros casos de pessoas mentalmente instáveis que decidem promover massacres em asilos para exterminar idosos. Fenômeno que cada dia está mais comum naquele universo segundo ouvimos de relance no rádio.
Somos apresentados à perspectiva da senhora Michi Kakutani (Chieko Baisho), uma idosa que após perder seu emprego no hotel e perambular por inúmeros lugares em busca de uma nova colocação profissional, decide aderir ao Plano 75. Michi não tem contato com família alguma e sua história toca pontos importantes como o cotidiano de pessoas solitárias nas cidades e o impacto que isso causa nelas. Sem emprego, sem a possibilidade de alugar um imóvel (já que não aceitam idosos desempregados), Michi se vê sem alternativas a não ser o Plano 75.
Os funcionários do Plano vendem pacotes de eutanásia como se vendessem seguros, há um total desapego e frieza daquela sociedade em relação ao que o idoso representa. No próprio discurso inicial do jovem que decide massacrar um asilo, há muito da mentalidade de como eles enxergam pessoas de mais de idade e o compromisso delas de morrerem em benefício das gerações mais novas: “Tenho certeza que os idosos não querem causar mais danos a sociedade, afinal, nós japoneses, desde sempre nos orgulhamos de ser capazes de nos sacrificar pela própria pátria”.
A narrativa de Michi cruza histórias paralelas de funcionários que trabalham para o Plano 75, em especial o caso de Maria (Stefanie Arianne), uma imigrante filipina que tem a função de despir os corpos dos idosos e dar seguimento ao descarte dos objetos pessoais destes. Constantemente nos deparamos com os dilemas morais que essas personagens passam ao longo da trama. Em muitos casos é possível fazer um paralelo com o Holocausto e todo o sistema absolutamente vil e desumano de produzir mortes em série de judeus na Segunda Guerra Mundial.
“Plano 75” propõe uma reflexão importante sobre a falta de valorização do idoso e como uma sociedade pode traduzir de forma drástica e desumana a solução para o problema do controle populacional. Por mais que o Plano de eutanásia seja voluntário, a sociedade expele essas pessoas das engrenagens sociais forçando-as a não ter outra escolha.
A diretora e roteirista Chie Hayakawa concede ao filme um tom moroso e emprega cenas estáticas que funcionam como uma lupa sobre os contornos patológicos do Plano 75. Ao final do filme, ficamos com um gosto amargo na boca e saímos perturbados por enxergarmos uma obra que, em tempos de desumanização, xenofobia e intolerância, traz uma releitura da realidade não tão impossível de acontecer no futuro.