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“Pasárgada”: Longa de estreia de Dira Paes na direção é misto de drama existencialista e filme-denúncia | 2024

“Pasárgada” é o filme de estreia da veterana atriz Dira Paes na cadeira da direção. O filme, também estrelado por ela, ganhou destaque no último Festival de Cinema de Gramado onde Beto Ferraz levou o Kikito de Melhor Desenho de Som, que aliás é um quesito que muitas vezes passa despercebido mas que aqui tem essencial importância para a construção desse universo onde a protagonista Irene está inserida. Dira conduz a história dessa mulher que procura um novo sentido pra vida de uma maneira tão sensível que por vezes desligamos a chave de que estamos diante de um filme-denúncia.

Na trama iremos conhecer Irene (Dira Paes) uma ornitóloga solitária prestes a completar 50  anos que, durante seu projeto de pesquisa no meio da floresta, se redescobre após conhecer Manuel (Humberto Carrão) , um jovem mateiro que fala a língua dos pássaros e que faz aflorar ainda mais seus dilemas como mulher, mãe e profissional. Irene fez algumas escolhas durante sua vida, e apesar de todo o ônus do caminho que ela escolheu, ela valoriza muito sua liberdade. Liberdade essa que aprendeu com os pássaros, que vão de um lugar pro outro sem se preocupar com o que vão encontrar logo a frente.

Entre os  grandes méritos de Dira como maestra é conferir um tom misterioso para sua personagem, onde inicialmente não sabemos muita coisa, e vemos nada além do que flashes do passado com a filha, da conversa por chamada de vídeo com a irmã, Ivana (Cássia Kiss), em razão de seu aniversário, ou até mesmo o que realmente ela está fazendo ali. Com o passar do tempo, em meio às conversas, também por vídeo, com Peter (Peter Ketnath), vamos entendendo que seu trabalho vai muito além do que catalogar novas espécies, e que sua busca por ser livre faz parte não só de um processo de amadurecimento naquele momento de vida como também parece se tratar de um expurgo, a revisão do tempo que vinha gastando com o que não a fazia bem. Não preciso dizer que entra aí o talento de Dira para absorver e externalizar os sentimentos de uma mulher que, àquela altura, ansiava voar como os pássaros que ela observava.

A premissa do longa nasce do processo de auto encarceramento durante a pandemia de Covid 19, onde Dira se isolou entre as montanhas do Arraial do Sana (Macaé, RJ). A paixão pela natureza vem de berço, já que Dira nasceu no Pará, em meio à Floresta Amazônica. Essa intimidade com a natureza e a vontade de descobrir mais, trouxe também a notícia alarmante que 80% dos animais contrabandeados no Brasil são pássaros e
que o tráfico de animais silvestres é o terceiro maior do mundo, perdendo apenas para armas e drogas.

O anseio por liberdade através de uma narrativa onírica e altamente contemplativa, faz de “Pasárgada” uma experiência sensorial, com uma protagonista apaixonada e inspiradora. É louvável portanto, a conjugação da contemplação com o chamado filme-denúncia, onde os limites ficam bem definidos mas ao mesmo tempo se entrelaçam. O poder de instigação do espectador é outro atributo que o longa possui, que leva a diversos questionamentos sobre identidade e escolhas. “Pasárgada”, que chega essa semana aos cinemas, é uma empreitada promissora da talentosa Dira Paes por trás das câmeras. Que venham os próximos voos.

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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