“Paraíso em Chamas”: drama sueco retrata jornada de amadurecimento e reflete sobre a força da união feminina diante do abandono | 2025

A resiliência como atributo humano tornou-se frase feita, banalizada em livros de autoajuda e entre os coachs de redes sociais, vendendo a ideia de que a nossa capacidade de se adaptar às adversidades impostas pela vida é algo tão natural, que basta acionar o gatilho correto para superá-las. Essa é uma lógica banal e vazia, que ignora as diversas nuances que fazem da realidade algo muito mais complexo do que um discurso motivacional e simplório, adornado com boas doses de falsas promessas.
O sofrimento é uma experiência subjetiva, e a reação a ele – ou como superá-lo – não se submete a qualquer fórmula de sucesso. As boas histórias são aquelas que expõem as contradições do humano e sua reação diante das contingências, essas inevitáveis. Filmes sobre amadurecimento é uma bela oportunidade para explorar esses temas.
Em “Paraíso em Chamas”, num bairro operário da Suécia, três irmãs cuidam de si mesmas após a mãe ausente sumir por completo. Laura é a mais velha, com 16 anos, Mira é a do meio, com 12 anos, e Steffi é a caçula, com 7 anos. Enquanto se preparam para o verão, divertido e despreocupado, sem supervisão adulta, o trio lida com a ausência materna e a ameaça do conselho tutelar, que inesperadamente pede uma reunião com um parente responsável para decidir o destino das meninas.
Esse é um filme que poderia facilmente ceder à tentação de exibir-se como um filme denúncia, alertando para os efeitos deletérios que o abandono infantil pode causar na vida de jovens meninas. A proposta, porém, da diretora Mika Gustafson, foca na postura das irmãs diante desse drama, na sua resiliência – essa sim verdadeira -, sobretudo no peso da responsabilidade que Laura, a irmã mais velha, chama para si. Entre os momentos de absoluta liberdade e a necessidade de sobreviver, elas e as irmãs juntam-se a outras meninas também vítimas de alguma disfunção familiar. Apesar das brincadeiras, dos banhos de piscina em dias ensolarados, o semblante taciturno de Laura sempre nos lembra do peso que ela carrega em suas costas.
A rebeldia adolescente e a insubmissão perante o mundo escondem uma menina assustada, tomada pelo desespero, que tem a plena noção de que ela e as irmãs podem ser separadas e mandadas para um lar adotivo. A busca por alguém para se passar por sua mãe diante das assistentes sociais coloca em seu caminho Hannah, uma mulher que também carrega consigo seus traumas. A relação entre as duas inicialmente é marcada pela desconfiança; com a convivência, a ternura e a empatia tomam lugar. Hannah vê em Laura um espelho; ela percebe, nos olhos e a na alma da menina, um grito de socorro.
As dores do crescer e do amadurecimento forçado, apesar de dramático, é tratado com muita delicadeza. Ainda que em meio ao caos, o filme é sensível ao trabalhar os ritos de passagem femininos. Aliás, é a união incondicional dessas meninas, mesmo com percalços e conflitos, que lhes permite encarar, de alguma maneira, a situação limite que estão vivenciando. Destaque para o trabalho da jovem atriz Bianca Delbravo. Sua interpretação comedida, conduzida pelo olhar, traduz perfeitamente a dor e o peso da responsabilidade que Laura carrega em sua alma.