“Palazzina Laf”: Baseado em eventos reais, longa denuncia a prática de quebra psicológica de funcionários operada por empresas | 2024
Que patifes, as pessoas honestas! (Emile Zola)
Publicado em 1885, “Germinal” foi uma obra fundamental na forma como, via ficção, escancarou para a burguesia francesa do século XIX a inglória luta de classes através da sofrida rotina de operários de uma mina de carvão e sua consequente revolta. A obra-prima de Émile Zola se estabelecia, então, como um dos principais monumentos críticos às injustiças provocadas pela recém-estabelecida Revolução Industrial e às condições degradantes reais enfrentadas pela maior parte da classe trabalhadora naquele período. “Palazzina Laf”, longa em cartaz no Festival de Cinema Italiano deste ano, vai se inspirar num caso real para mostrar que, quase cento e cinquenta anos depois do cenário representado no célebre livro naturalista, ainda é possível observar, sob as novas fachadas criadas pelo capitalismo, que as relações abusivas entre funcionários e patrões, embora formatado para os modelos do terceiro milênio, seguem a mesma lógica de imposição dentro de jogo de poder de bastante desigual.
Na trama, conhecemos Caterino Lammana (Michele Riondino), um limpador de forno numa das maiores usinas siderúrgicas da Europa que, cansado de sua jornada exaustiva de trabalho, aceita a proposta de ser os “olhos do chefe” num prédio (o Palazzina Laf do título) que serve como uma espécie de depósito para funcionários afastados da sede por alguma razão. Movido por uma motivação puramente individualista num primeiro momento, Lammana se torna o proletário que, em troca de algumas vantagens, de modo quase inconsciente compactua contra seus pares diante de uma estratégia empresarial que consiste em forçar o empregado a atuar numa função completamente diferente daquela para a qual foi contratado ou simplesmente torná-lo inútil na rotina da empresa para que, assim, ele peça demissão: “Tudo dentro da lei.”, como sentencia um dos executivos.
A partir dessa “reintegração” que nada mais é do que a tentativa de destruição psicológica do trabalhador, as instalações de Palazzina Laf se tornam um verdadeiro limbo onde pessoas destituídas de sua funcionalidade – característica basilar do cidadão sob a égide do capital – passarão os dias a aguardar pelo resultado nem sempre justo das batalhas entre empresários e membros dos sindicatos.
E é ao retratar esse exílio sob vigilância pelo viés da sátira, algo ensaiado já na pitoresca cena de abertura com um capacete sobre um caixão, que o longa se perde por não saber conduzir as situações com o impacto que a crítica proposta necessita. Acumulando as funções de diretor e protagonista, Riondino não consegue criar cenas capazes de desconcertar o espectador pela injustiça apresentada, próximo do que fariam cineastas mais incisivos como Ken Loach ou Pier Paolo Pasolini, ou muito menos debocha das estruturas hipócritas e das figuras caricatas (observe como o personagem de Elio Germano está a cara do Nando Reis) que compõem um cenário no qual impera o absurdo, traquejos que ele poderia ter aprendido com realizadores do quilate de Federico Fellini e Mario Monicelli. Com isso, um espaço que poderia parecer ainda mais palpável (e, por isso, tenebroso) é completamente desperdiçado numa reconstituição opaca e distante.
Um tanto perdido ao administrar contundência e o riso, “Palazzina Laf” também não nos oferece um guia minimamente interessante, capaz de nos deixar engajados pelos corredores daquele sanatório para os indignados – e, portanto, indignos de atuar no palco das relações laborais pós-modernas. Ao menos sobram algumas linhas de texto capazes de tirar da quase inutilidade um projeto que tinha tudo para fomentar debates acalorados sobre temas que Zola, Loach e Pasolini já trataram com muito mais competência: “Nosso aço produz riqueza para outra pessoa e nós ficamos com o lixo.”.