“Os Sonhos de Pepe”: documentário coloca o ex-presidente uruguaio como uma voz sábia que precisa ser ouvida | 2024
José Alberto “Pepe” Mujica Cordano governou o Uruguai entre os anos de 2010 e 2015, e não estranha o fato de os primeiros minutos de “Os Sonhos de Pepe” trazerem o ex-presidente uruguaio em sua pequena chácara, localizada nos arredores de Montevidéu, expondo a vida pacata levada por um homem já na faixa dos 90 anos e que, como é mencionado em certa passagem, faz questão de doar 80% do salário ao qual tem direito. O propósito, desde o início, é mostrá-lo como um líder político diferente, alguém que vivenciou desde sempre os ideais defendidos, avessos a privilégios, no decorrer de uma longa trajetória pública.
Entrecortando os célebres discursos de Pepe feitos em eventos realizados em diversos países com imagens de um mundo que (ainda) vale a pena salvar, o documentário dirigido por Pablo Trobo pretende criar uma figura inspiradora para as novas gerações. Para isso, além do caráter de urgência impresso pela montagem, o longa tenta transitar entre o alerta acerca dos riscos de uma lógica pautada no consumo exacerbado, difundida massivamente pelos países ricos, e a poesia presente na forma como a utopia de Mujica se faz viva na tela.
O ritmo um tanto acelerado que, por vezes, é impresso pela trilha sonora remete curiosamente à metáfora de uma locomotiva – símbolo de um progresso menos devastador, talvez? –, haja visto que, na maior parte do tempo, o personagem central da narrativa está em deslocamento. Como contraponto a esse frenesi com ares quase apocalípticos, são apresentados momentos de calmaria, nos quais as falas em tom de plácido vaticínio têm como cenário palanques que vão desde universidades de grandes capitais até o plenário da ONU.
Já tendo parte de sua rica trajetória ficcionalizada no ótimo “Uma Noite de 12 Anos” (2018), Pepe Mujica reaparece agora neste documento fílmico como uma espécie de sábio a quem todos devem ouvir. Um homem de vida austera, que reconhece a importância da união de todos os povos na única luta que precisa de fato ser travada, uma guerra que não visa à destruição, mas sim o enfrentamento de um inimigo que pode de fato colocar em risco a existência humana: a política da acumulação.