“Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice”: Caótico e burlesco, sequência do clássico oitentista abraça a nostalgia como poucos | 2024
É inegável que, hoje, mais do que em qualquer outro momento da história, a nostalgia tem ganhado cada vez mais espaço. Talvez por vivermos em uma época de profunda desconfiança e desencantamento com o futuro, o passado se torna um lugar seguro, e, apesar da justa problematização desse fenômeno, é inegável que esse lugar de memória pode gerar conforto. A indústria, como sempre, aproveita e transforma esse sentimento em produto. É nesse contexto que surgem projetos como “Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice”, lançado quase 4 décadas após o original, mantendo-se fiel a tudo que o sucesso oitentista proporcionou e entregando uma hilariante experiência de retorno ao passado.
Na trama, voltamos à Winter River, onde a família Deetz retorna após uma inesperada tragédia familiar. Lydia Deetz (Winona Ryder), agora adulta e mãe da jovem Astrid (Jenna Ortega), se vê envolvida em uma nova série de eventos sobrenaturais quando sua filha se encontra em grande perigo. Desesperada e sem outra opção, Lydia precisa recorrer ao imprevisível e caótico Beetlejuice (Michael Keaton), desencadeando mais uma vez uma série de confusões entre o mundo dos vivos e dos mortos.
A originalidade, por si só, não confere valor a absolutamente nada. O que é novo não é necessariamente bom. Embora pareça óbvio, em um mundo marcado por avanços tecnológicos acontecendo a cada semana, há quem use esse adjetivo como um selo de qualidade. Um erro crasso. Criticar filmes como “Os Fantasmas Ainda Se Divertem” por serem “desnecessários” dado que não acrescentaram algo novo, é uma análise tão superficial quanto vazia. Dito isso, Tim Burton retorna à sua velha forma, entregando seu melhor trabalho em muitos anos, mostrando que a nostalgia bem trabalhada pode ser tão eficaz quanto qualquer pretensa novidade.
Embora o filme finque os dois pés em sua origem, há espaço para pequenas novidades, ainda que sutis e cuidadosamente maquiadas. Um exemplo é a personagem Astrid, interpretada por Jenna Ortega, que, de certa forma, é uma réplica da figura que Winona Ryder encarnou nos anos 80. No entanto, essa repetição funciona, justamente porque o longa não ambiciona reinventar a roda. Michael Keaton também repete a fórmula que consagrou Beetlejuice, mas trata-se de uma fórmula tão bem-sucedida que qualquer tentativa de mudança poderia ultrapassar o limite da ousadia e cair na estupidez. O humor nonsense, caracterizado pela extrema expressividade, é uma marca registrada da carreira de Keaton, especialmente no início. Vê-lo retornar a essas raízes é um verdadeiro deleite.
Outros acréscimos interessantes ao elenco incluem Monica Bellucci, cuja presença, embora subaproveitada, traz uma marcante energia em suas poucas aparições, e Willem Dafoe, que interpreta uma espécie de “Tom Cruise do mundo dos mortos”. Esses novos personagens se misturam ao estilo peculiar do universo de Tim Burton, sem subverter sua essência. São rostos novos, mas com personalidades que se ajustam perfeitamente a esse mundo já concebido e familiar. Em outras palavras, eles não representam necessariamente uma expansão do universo, mas são boas adições que enriquecem a narrativa.
Um fator que certamente contribuiu para o sucesso artístico da produção foi o tempo. Assim como em “Top Gun: Maverick”, há mais de 30 anos de intervalo entre os filmes, o que faz com que o resgate desse universo não só seja apropriado, mas também permita que o apelo nostálgico seja percebido de forma diferente — talvez menos rasteira e sem aquela sensação de urgência do mercado. Isso transparece claramente no tom do projeto. Os avanços da tecnologia digital não interferem em nenhum plano, permitindo que o filme preserve o estilo visual inspirado no expressionismo alemão, com cenários claramente feitos em estúdio. As sequências são repletas de efeitos práticos inventivos e, em alguns momentos, viscerais, sem jamais ceder à lógica do real, e sempre apostando no caótico e no burlesco. Todas essas características são heranças de um passado que a produção não apenas não renega, mas abraça e celebra com orgulho.