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“O Teleférico do Amor”: longa aposta no silêncio e transforma o gesto em idioma comum | 2025

Existem recursos tão entranhados na linguagem do cinema que seu uso já não causa surpresa. São como mobília, presentes, mas pouco notados. O diálogo é um deles. Desde que o som ganhou voz na tela, a fala tornou-se o eixo central das relações, tão natural quanto respirar. Em “O Teleférico do Amor”, não há diálogos, e essa ausência, longe de soar como restrição, surpreendentemente se torna liberdade criativa. O filme escolhe outras formas de comunicação: um gesto, um olhar demorado. O silêncio aqui não é vazio, mas matéria. É dele que surgem os vínculos, os desejos, as correspondências improvisadas entre duas mulheres que se encontram por segundos, suspensas entre cabines. O diretor Veit Helmer não se furta à palavra por capricho, ele confia que há modos alternativos de expressar, e nelas, encontra poesia.

Na trama, duas mulheres operam cabines de um teleférico em lados opostos de uma região montanhosa e isolada da Geórgia. Por breves segundos, quando as gôndolas se cruzam, trocam olhares, e é justamente nesse intervalo, que um vínculo começa a nascer. Sem palavras, constroem uma coreografia cotidiana feita de invenções, como o tabuleiro de xadrez que se move a cada parada. O tempo do teleférico, que por vezes se alonga de forma quase irreal, parece reger o ritmo desse romance silencioso, como se o mundo passasse a pulsar no ritmo das duas.

À margem dessa relação, há a presença da comunidade. As interações com os moradores da vila, em especial com uma criança curiosa que aprende com Iva, uma das protagonistas, a extrair sons das taças com o deslizar dos dedos, revelam atos de cuidado, delicadeza e partilha. Não são relações aprofundadas, mas cumprem uma função poética. Por outro lado, há elementos que destoam desse tom mais sensível. O arco do chefe do teleférico, figura atormentada que ocupa o papel mais próximo de antagonista, surge como uma tentativa de inserir tensão mais direta. Mas seu conflito não encontra ressonância no resto da obra. É como se o filme, por breves instantes, tentasse recorrer a um modelo de narrativa mais convencional, o que, paradoxalmente, só enfraquece seu percurso.

“O Teleférico do Amor” encontra força justamente naquilo que não precisa ser dito. Ao renunciar às palavras, o filme se aproxima de uma linguagem que transcende fronteiras e não exige tradução, feita de olhares, pausas, movimentos carregados de sentido, que falam por si. Nesse território sem fala, mas repleto de escuta, o amor encontra passagem.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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