“O Retorno”: longa de Uberto Pasolini desmonta o mito para reencontrar o homem | 2025

A escolha de iniciar “O Retorno” já com Odisseu (Ralph Fiennes) em Ítaca é bastante ousada. Para quem não tem o repertório da Odisseia fresco na memória, a melancolia que atravessa as primeiras cenas parece deslocada, como se faltasse a longa travessia que justificaria o cansaço impresso no olhar do herói. Ainda assim, ao se deter no desfecho homérico, o filme de Uberto Pasolini encontra no silêncio inicial a marca de uma trajetória não mostrada, mas plenamente visível nos corpos e olhares dos personagens.
À medida que a narrativa avança, o filme ganha fôlego. Odisseu já não enfrenta monstros ou sereias, mas o peso de regressar a uma casa que mal resistiu à sua ausência. Penélope (Juliette Binoche) encarna esse dilema com intensidade. O retorno precisa ser provado, e o reconhecimento emerge como ápice emocional, sustentado pelo olhar paciente e pela dignidade da esposa. Binoche confere à personagem uma presença feita de espera e de força, transformando o reencontro em um diálogo entre duas resistências que, enfim, se reconhecem.
O desfecho talvez não alcance a grandiosidade do poema, mas preserva um clímax comovente. Odisseu retorna não apenas como esposo, mas como princípio de ordem e paz, trazendo a promessa de continuidade para a vida em comum. A catarse homérica é transposta para a escala humana. Não são os deuses que restituem o equilíbrio e sim marcas discretas, a cicatriz, o leito partilhado, sinais mínimos mas decisivos, capazes de devolver sentido à existência.
Ao traduzir o épico em drama íntimo, Pasolini encontra uma forma própria de narrar o mito. O filme não compete com Homero, dialoga com ele, e nesse diálogo descobre uma nova forma para contar a mesma história.