“O Mal Não Existe”: Contemplativo e minimalista, filme explora a relação entre homem e natureza | 2024
"A chave de tudo é o equilíbrio, se você não enxerga isso, o equilíbrio se vai”
A estrutura narrativa de três atos não é uma regra, mas tornou-se uma convenção amplamente utilizada no cinema. Em “O Mal Não Existe”, essa estrutura ganha contornos menos definidos, especialmente na construção do conflito. Ir contra o convencional não é uma tarefa fácil, mas Ryûsuke Hamaguchi, justamente por compreender profundamente essa convenção, trabalha de maneira magistral na subversão dela.
Na trama, acompanhamos Takumi (Hitoshi Omika), um faz-tudo que vive em um pequeno vilarejo cercado de florestas nas proximidades de Tóquio. Os moradores desfrutam de uma aparente harmonia, até serem informados sobre os planos de construção de um camping de luxo. Esse empreendimento ameaça o fornecimento de água e o equilíbrio ambiental da região, colocando em risco o modo de vida dos habitantes locais.
Quase um quarto do filme é dedicado exclusivamente a nos familiarizar com o local e seus habitantes. Durante esse tempo, quase não há diálogos; a natureza é a verdadeira protagonista. Essa radicalização do olhar contemplativo é evidente logo nos primeiros minutos, com um longo travelling que se desenrola lentamente, revelando apenas o céu e os galhos das árvores mais altas.
O enredo, embora focado na figura de Takumi, visa estabelecer vínculos coletivos, pois o senso de comunidade é essencial para a proposta. A ideia de conflito também precisa ser contextualizada. Diferente do comportamento ocidental frequentemente associado a situações de confronto, a discordância da população local se manifesta de maneira sutil durante reuniões comunitárias. Nesses encontros, os opositores mantêm um tom de voz baixo e evitam fazer ameaças explícitas, refletindo uma abordagem cultural bastante particular ao lidar com o descontentamento. Isso não implica passividade nem um comportamento pacifista puro e simples. Paradoxalmente, a atmosfera do longa é permeada por uma sensação constante de perigo iminente, que, com o tempo, adquire contornos enigmáticos. O próprio título do filme sugere uma inteligente e desafiadora contradição.
Em “O Mal Não Existe”, Hamaguchi explora o mal sem rosto do sistema econômico, disposto a sacrificar o bem-estar da maioria em prol do lucro de alguns poucos. Em contraste, há a integração entre homem e natureza, relação essa que também não existe sem atrito. Com essa dualidade em mente, Hamaguchi desenha um percurso sinuoso entre a harmonia e o sombrio, tecendo a narrativa com uma tensão crescente que culmina em um desfecho surpreendente e impactante.