“O Dia Que Te Conheci”: Deixando o espetáculo de lado, longa encontra poesia na vida comum | 2024
A Filmes de Plástico é uma produtora brasileira, fundada em 2009 na cidade de Contagem, Minas Gerais. Embora tenha ganhado maior visibilidade com o aclamado “Marte Um” (2022), a produtora já acumulava um histórico de projetos muito bem-sucedidos, sempre com ênfase na naturalidade e em questões cotidianas, propondo uma espécie de “desespetacularização” da vida. Entre seus fundadores, André Novais Oliveira se destaca como diretor de obras marcantes, como “Ela Volta na Quinta” (2014) e “Temporada” (2018). Em “O Dia Que Te Conheci”, Novais mantém a essência que fez da Filmes de Plástico um nome relevante no cinema brasileiro: o olhar atento aos pequenos e significativos acontecimentos da vida, explorando o singelo e o rotineiro.
A trama acompanha Zeca (Renato Novaes), um homem que, após mais uma tentativa frustrada de acordar cedo, enfrenta sérias consequências ao chegar atrasado na escola onde trabalha. Desanimado e sem grandes expectativas para o futuro, sua vida começa a tomar um novo rumo quando conhece Luisa (Grace Passô).
Em entrevista, Eduardo Coutinho, um dos maiores documentaristas brasileiros, afirmou: “O pior filme brasileiro tem mais a ver comigo do que o melhor filme americano”. Com essa fala ele destacava a importância da identificação cultural e como, mesmo em estruturas menos refinadas, há uma conexão mais direta com a realidade e a experiência do público local. “O Dia Que Te Conheci” ilustra claramente essa ideia.
A narrativa adota uma abordagem distanciada, raramente aproximando a câmera dos rostos dos personagens. As situações cotidianas são apresentadas sem o apoio de trilha sonora, enquanto os diálogos, que fluem de maneira propositalmente irregular, se tornam familiares e acessíveis. Não há espaço para o humor mordaz de Woody Allen, os longos diálogos profundos à la Linklater ou as emoções exacerbadas de Almodóvar. Aqui, vemos pessoas comuns que, mesmo em situações de desajuste, agem como a maioria de nós já agiu ou agiria. A identificação é tanto o ponto de partida quanto o de chegada.
O filme também explora de maneira sutil questões como ansiedade e saúde mental, trazendo uma reflexão sobre a crescente banalização desses temas na sociedade atual, a ponto de a medicação ser comentada de forma casual em conversas de bar. Contudo, esse aspecto permanece em segundo plano. No geral, a trama mantém um tom bem-humorado, mas não por meio de piadas ensaiadas ou tiradas rápidas. O humor surge naturalmente, a partir da familiaridade com as circunstâncias e da maneira como personagens comuns lidam com suas próprias imperfeições, reforçando o caráter despretensioso e “desdramatizado” do filme.
Vencedor do prêmio da crítica de melhor filme nacional na Mostra de São Paulo 2023, “O Dia Que Te Conheci” carrega todos os valores que a Filmes de Plástico historicamente imprime em seus projetos. Com isso, já é possível afirmar que suas produções trazem um selo de qualidade, e, com sorte, a cada ano seremos agraciados com uma nova obra. Com uma combinação de talento, inspiração, poesia e brasilidade, o resultado é, mais uma vez, um dos melhores filmes nacionais do ano.