“O Corvo”: Refilmagem do clássico de 94 opta pelo romance em trama que não decola | 2024
Raquel S. Benedict, em seu excepcional ensaio intitulado “Everyone Is Beautiful and No One Is Horny”, publicado na Blood Knife, aborda uma tendência cada vez mais marcante na indústria do entretenimento: todo mundo está cada vez mais gostoso, mas ninguém transa. No cinema, especialmente nos blockbusters, os atores e atrizes são incrivelmente em forma, musculosos, com cabelos impecavelmente penteados, maçãs do rosto bem definidas e de pele lisa como um bebê. As produções frequentemente incluem cenas sem camisa para exibir abdominais esculpidos e peitorais definidos. No entanto, embora esses corpos sejam extremamente fetichizados, falta-lhes uma sensualidade genuína, resultando em uma representação que é ao mesmo tempo obsessiva e completamente estéril.
Nem sempre foi assim. O sexo ocupou um lugar importante nas artes, inclusive nas mais populares. Contudo, atualmente, com produções cada vez mais caras e a necessidade de alcançar públicos maiores, na maioria das vezes a nível global, a margem para problematização é nula. Esse cenário é agravado por uma geração de jovens cada vez mais casta, pueril e conservadora, que clamam por medidas como o famigerado “botão para pular cenas de sexo”. Estamos diante de uma geração avessa à prática sexual, mas paradoxalmente obcecada por corpos perfeitos.
Em “O Corvo”, a nova refilmagem do clássico de 1994, essa problemática se torna evidente. Os protagonistas têm corpos esculturais, sem qualquer traço de imperfeição — sem rugas, estrias ou excessos. No entanto, mesmo nas cenas de intimidade, esses corpos se tocam com a química de um sabonete neutro. Infelizmente, esse é apenas um dos problemas do longa, que, apesar de carregar um nome de peso, não consegue decolar e falha em todos os aspectos a que se propõe.
Na trama, seguimos Eric Draven (Bill Skarsgård), que, após ser brutalmente assassinado junto com sua amada Shelly (FKA Twigs), é ressuscitado por forças misteriosas. Retornando dos mortos e dotado de poderes sobre-humanos, Eric precisa lutar contra o tempo para trazer Shelly de volta, enquanto enfrenta forças sombrias que vão além de sua compreensão.
Para início de conversa, não se trata de um filme de vingança. Esse elemento foi retirado da premissa original, embora algumas estruturas desse gênero ainda persistam. O objetivo do protagonista é descrito como algo mais nobre — salvar a mocinha, o que claramente remete aos romances. De fato, o início é uma história de amor, e amor à primeira vista, para ser mais preciso. Até aí, tudo bem, afinal, esse tipo de sentimento não precisa de muita lógica; na vida real, raramente tem. No entanto, é necessário haver química, e, por mais que isso seja subjetivo, a sequência dos eventos e a insistência em verbalizar sentimentos revelam certa fragilidade nesse ponto.
Alguns elementos técnicos parecem fora de lugar. A trilha sonora, por exemplo, oscila entre o melancólico e o techno, aparentemente para injetar energia nas cenas de ação. Todavia, essas cenas carecem de coreografia bem executada, o que é evidenciado pela quantidade excessiva de cortes. Em comparação com “John Wick”, onde os golpes e acrobacias são capturados de forma contínua, “O Corvo”, em seus momentos mais intensos, mais parece um videoclipe da MTV.
A mitologia em torno da figura do corvo é vastíssima e remonta a milênios. Nos tempos modernos, o corvo é amplamente associado à morte e ao presságio, devido à sua plumagem negra e seus hábitos necrófagos. Em diversas culturas, ele é visto como um ser liminar, capaz de transitar entre o mundo dos vivos e o dos mortos. No entanto, em “O Corvo” de 2024, essa rica simbologia é lamentavelmente subaproveitada. O filme, sem grande esforço, se limita a voos rasos – voos de galinha, diga-se de passagem – falhando em alcançar qualquer profundidade ou substância que o tornasse digno de nota.