“No Céu da Pátria Nesse Instante”: doc traça a cronologia dos eventos antidemocráticos que culminaram no fatídico 8 de janeiro | 2025

Um dos pensamentos mais recorrentes que lemos ou ouvimos quando nos deparamos com notícias envolvendo a atual situação sócio-política brasileira é o de que, no futuro, os professores de história terão bastante dificuldade ao tentar explicar os acontecimentos absurdos que formam o cada vez mais bizarro mosaico que vem se formando, sobretudo, a partir do Golpe que retirou Dilma Rousseff da presidência. Além de toda a cobertura jornalística e do trabalho analítico que cientistas da área vêm fazendo há anos para tentar dar conta de elucidar um dos momentos mais conturbados de nossa história, os documentários têm sido muito importantes não só como valioso instrumento de registro de um tempo, mas também ao ajudarem a conferir algum sentido a todo esse caos mediante o olhar de seus realizadores. De “O Processo” (2018) ao recente “Apocalipse nos Trópicos”, só para ficar no referido recorte, acumulam-se obras cujo objetivo central é compreender e apontar abusos que ainda colocam o Estado democrático de direito em risco.
“No Céu da Pátria Nesse Instante”, por sua vez, joga luz sobre o último período eleitoral, partindo do início da campanha presidencial até chegar à famigerada tentativa de golpe ensaiada com a invasão da Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023. De cara, os diretores Sandra Kogut e Henrique Landulfo evidenciam a dificuldade que enfrentará na coleta de depoimentos de uma ala que rechaça profissionais de sua área: “Esses cineastas de esquerda!”, brada uma bolsonarista via zoom, externalizando a radicalização atingida por seu campo ideológico. Estabelecidos os obstáculos – lembrando que a pandemia ainda não havia sido completamente vencida na época das filmagens –, a narrativa acompanhará os eventos pela perspectiva de pessoas que estão vivendo intensamente a fleuma que acirrou os ânimos a partir da gradual polarização que, sem exagero, dividiu a nação. E como isenção em documentário é um mito – este sim de verdade –, Kogut e Landulfo não disfarçam seus posicionamentos, fazendo questão de pontuar qual lado desse tabuleiro possui jogadores que representam um perigo para os pilares da democracia.
Sem o mesmo acesso a figuras de peso da ala conservadora, privilégio concedido a Petra Costa nas filmagens de “Democracia em Vertigem” (2019) e do já referido “Apocalipse nos Trópicos”, os cineastas optaram por focar mais numa espécie de cronologia dos eventos e nas reações de eleitores comuns – Marcelo Freixo, candidato ao Governo Estadual no Rio, aparece como exceção – que lhes abriam suas rotinas ou as câmeras de seus celulares. Os meandros da nova forma de atuar ao longo de uma campanha surgem quando, por exemplo, uma militante (da esquerda, diga-se) fala para um estagiário apagar os comentários desfavoráveis nas postagens de seu candidato. Mas, obviamente que a maior parte do filme se dedica a escancarar o passo a passo da escalada golpista, que usou a máquina estatal para espalhar desinformação (com enorme apoio de líderes religiosos) no intuito de descredibilizar o resultado das urnas, chegando ao ponto de mandarem agentes de segurança pública impedirem o acesso de eleitores às suas respectivas seções.
Sem ir muito além do mero registro, “No Céu da Pátria Nesse Instante” não chega a configurar um desafio à linguagem do documentário, tampouco estabelece um debate aprofundado sobre as complexidades que colocaram parte da população brasileira conclamando o retorno de um regime ditatorial. No mais, sua narrativa organiza um pouco da enxurrada de disparates que inundaram o noticiário e as redes nos últimos anos, o que pode contribuir para aquela futura aula de história (caso os professores ainda possam falar) e fazer com que a outra metade do nosso povo, ainda em transe, possa também cantar euforicamente: “Tá na hora do Jair… Já ir embora!”.
Sim… isenção em crítica de cinema também é um mito.