“Nimona”: Repleto de ação, longa discute identidade de forma leve e divertida | 2024
O projeto que deu origem à produção de “Nimona” quase não viu a luz do dia. Inicialmente agendado para 2020, o filme enfrentou uma série de adiamentos até ser cancelado com o fechamento da Blue Sky Studios em 2021. Contudo, dois anos mais tarde, a Annapurna Pictures, em parceria com a Netflix, ressuscitou o projeto. Esse resgate revelou-se um triunfo, com a obra conquistando tanto o público quanto a improvável indicação ao Oscar. Conquistas mais do que merecidas, já que “Nimona” se destaca por sua estética fortemente influenciada pelos games, algo muito familiar aos jovens contemporâneos além de abordar discussões pertinentes sem recorrer a estereótipos.
Na trama, acompanhamos Ballister Boldheart (Riz Ahmed), um cavaleiro injustamente acusado de um crime gravíssimo. Sua única esperança é Nimona (Chloë Grace Moretz), uma jovem com o poder de se transformar em diversas formas, de animais a outros seres humanos. Juntos, eles embarcam em uma jornada para provar a inocência de Ballister, enfrentando desafios internos e externos enquanto desvendam uma teia de segredos e traições.
O filme possui um alto teor anárquico, especialmente ao subverter a velha fórmula do conto de fadas. Embora essa inversão de valores não seja uma novidade, como demonstrado anteriormente por “Shrek” cerca de vinte anos atrás, “Nimona” emerge como um produto de seu tempo, onde temas como identidade desempenham um papel central. Este aspecto se torna evidente em várias camadas do enredo, como no arco de Ballister, que mantém uma saudável relação amorosa com Ambrosius Goldenloin (Eugene Lee Yang). Apesar de ser uma representação LGBTQIA+, a narrativa não se concentra na rejeição do casal pela sociedade ou em um sentimento de inadequação em relação às normas de gênero; o casal simplesmente é o que é. Por outro lado, a personagem Nimona personifica um aspecto mais abrangente dessa temática. Dotada da capacidade de se transformar, quando questionada sobre quem realmente é, ela responde simplesmente: “Eu sou Nimona”. Novamente; ela apenas é.
A ambientação de “Nimona” é rica em contrastes, mesclando elementos de diferentes épocas e estilos. Enquanto a cidade apresenta enormes arranha-céus e pessoas com membros robóticos, reminiscentes do estilo cyberpunk, também há referências claras ao período medieval, como armaduras e lendas locais. A forma de governo é um ponto de debate, destacando-se a monarquia que domina o local, cuja autoridade é sustentada por crenças arraigadas na população, incluindo a história de um monstro que assombrou a região séculos antes. A criação desse mito é pouco compreendida, mas serve como instrumento de controle e justificativa para ações arbitrárias, refletindo uma clara alusão à ascensão de grupos políticos autoritários e de extrema direita ao redor do mundo.
As cenas de ação são incrivelmente dinâmicas e divertidas. Muito disso se deve a personalidade excêntrica de “Nimona”, seu humor ácido, e uma edição frenética. O carisma da protagonista é tão presente que num dado momento esse mérito joga contra o filme, uma vez que a personagem se torna ainda mais interessante do que a história em si, porém, isso dura pouco e conforme ela vai ficando mais envolvida com a problemática central, mais coesa se torna a narrativa.
Acessível para todas as idades, “Nimona” oferece uma perspectiva interessante sobre a sociedade atual. Se, porventura, idealizamos erroneamente a construção de um mito que nos levaria à salvação, seja ele uma pessoa ou uma ideologia, o movimento atual é em direção à desconstrução dessa ideia, e “Nimona” contribui de maneira ímpar para essa reflexão.