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“Motel Destino”: Thriller de Karim Aïnouz promove quebra de tabus misturando tensão e desejo | 2024

“Eu tenho um alvo no peito o tempo todo…” diz em dado momento, como uma espécie de desabafo, o personagem vivido pelo estreante Iago Xavier em “Motel Destino”, que chegou na última semana aos cinemas,  depois de todas as tensões vividas no recorte proposto pelo novo longa de Karim Aïnouz. É certo que Heraldo, um jovem das zonas periféricas do Ceará que precisou lançar mão da criminalidade para se manter, não tem nada a perder e esse é o tempero que move a produção que foi ovacionada em Cannes esse ano e que foi batizada pela crítica como o filme mais sexy do prestigioso festival.

Na trama vamos conhecer Dayana (Nataly Rocha), uma mulher que vive um relacionamento abusivo com Elias (Fabio Assunção), o dono do motel de beira de estrada que dá título ao filme. Dayana vê sua vida mudar após a chegada do jovem Heraldo (Igor Xavier), recém-saído de uma instituição socioeducativa. Ambos passam por provações impostas por um sistema que tenta oprimi-los o tempo todo: ela por ser mulher e estar presa financeiramente a Elias, e Heraldo pelo ciclo de violência que se abateu sobre  ele depois da perda dos pais. Uma espécie de triângulo tenso vai se desenhar entre esses três personagens, cujas consequências podem chegar a situações inimagináveis.

O motel de Karim é um microcosmo que ressalta nosso lado mais carnal,  e que nas entrelinhas nos diz que não há nada de mal nisso.  Sexo é uma vontade, é fisiológico e natural,  e isso é potencializado na figura dos animais no entorno do motel, como o casal de jumentos copulando numa área anexa, ou mesmo por aqueles que invadem o lugar, como a cobra capturada na banheira de uma suíte vip. Nesses espaços Heraldo é instigado por Elias a se voltar ao voyeurismo – o sexo está por todos os lados, desde as investidas corpo a corpo entre esse provável triângulo até os urros de prazer nos corredores do motel. “Motel Destino” é sexy, quente, sem pudores. Karim não tem reservas em tratar do prazer alheio e misturá-lo aos desvios de caráter do ser humano. Desejo e caráter são elementos distintos e o cineasta deixa essas diferenças muito bem sublinhadas em seu filme.

Karim Aïnouz  é um realizador que, como poucos, tem o poder de se apropriar e dar a sua cara para assuntos diversos. Aqui ele coloca sua digital com um humor ácido, raras vezes vistos em seus projetos, misturando pornochanchada – gênero cinematográfico essencialmente brasileiro que fez um enorme sucesso de público na década de 1970 – e thriller policial,  formando uma amálgama divertida e provocadora. Assim como o celebrado gênero, “Motel Destino” nos convida para dentro de uma trama que muito além de sexo, nos chama para refletir sobre liberdade dos corpos, muitas vezes aprisionados pelas convenções sociais ou ainda pela dependência financeira, que aqui é materializada na personagem de Nataly Rocha, uma atriz cearense potente, que se destaca nesse furacão de emoções que é “Motel Destino”.

Outro personagem que resume toda a proposição do projeto, é Elias (Fábio Assunção, brilhante), cujo magnetismo carrega as cores e a vibração desse motel de beira de estrada, que, ainda que guarde um certo mistério também causa grande empatia e  ainda colabora sobremaneira para a compra da ideia apresentada por Karim, que entre tantas discussões ainda tira sarro com a chamada masculinidade frágil.  O cineasta já afirmou que durante o processo estabeleceu-se a ideia que este seria o primeiro capítulo de uma trilogia, e mal posso esperar sobre qual gênero será trabalhado dessa vez. Todo novo projeto do realizador vem com muita expectativa, e “Motel Destino”, ao menos, correspondeu a todas elas.

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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