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“Megalópolis”: Coppola celebra a esquizofrenia social em explosão de futilidades metafísicas | 2024

Utopias se transformam em distopias

Quando saltamos para o desconhecido, provamos que somos livres – diz “Megalopolis” em uma de suas tantas (vãs?!) filosofias. Vivemos um período de embate no cinema, onde dois fatores, arte e mercado, se digladiam em uma disputa nunca antes vista em tão grande escala, não só pela atenção do público mas também por espaço na credibilidade de produtores e financiadores. Estúdios e executivos exigem retorno monetário imediato, e por isso não se prestam a assumir grandes riscos – o que não é o caso de realizadores como o renomado (e polêmico) diretor Francis Ford Coppola, que arroga riscos enormes financiando grande parte dos próprios projetos e, atualmente, parece estar mais preocupado com o legado de sua filmografia e em manter o próprio status de visionário além do seu tempo do que em obter lucro com seus filmes. Coppola, que conclui agora sua realização mais ambiciosa após quarenta anos de idealização, tem assumido a postura de quem quer provar a própria liberdade e, com isso, salta para o tal desconhecido – desconhecido este que ele acredita dominar. Mas domina mesmo?

Pensamentos provocadores como o que abriu o texto são continuados e reprisados quase à exaustão, como se o público não tivesse capacidade cognitiva para entender a mensagem na primeira vez que foi pronunciada. Tamanho viés de insulto se faz também em diversos outros jargões de esnobismo intelectual, que se espalham e se repetem enquanto o tempo (um grande tema subaproveitado) vai passando e o filme espalha “a palavra de Coppola” como se fosse um atestado de óbito para a sociedade contemporânea. Esse exercício de ênfases repetidas à revelia – ênfase ao caos primitivo moderno, ao embate sociopolítico travado por famílias magnatas egocêntricas, à revolta coletiva contra um sistema que exige a existência da miséria – faz parecer que o diretor e roteirista superestima o próprio intelecto e considera os que o assistem como um bando de estúpidos acéfalos. Mas será o filme mesmo tão grande para nossas mentes tão pequeninas? Ou será apenas uma evidência de que o diretor, assim como o protagonista de seu novo filme, é um “homem de futuro, tão possuído pelo passado”, e por isso se tornou supérfluo?

O que existe, na realidade, é uma pseudo-complexidade vaidosa que se equilibra em uma corda bamba onde, de um lado, está um filme muito à frente da atualidade e que só será plenamente reconhecido e cultuado no futuro, reforçando o quão genial Coppola é; e do outro lado, uma pífia destinação ao esquecimento que se confirma desde o seu lançamento, com salas vazias e rejeição de público e crítica. A grande questão é: para qual lado ele vai tombar? “Megalopolis” tem ares grandiosos, megalomaníacos, que fazem do narcisismo o caminho mais óbvio para entender as motivações dos personagens e também, por que não?, do próprio diretor. Ocorre que “Megalopolis” não se realiza como um filme, mas sim como um conceito novelizado. É uma típica tragédia romana repleta de convenções eufóricas, mas convertidas à hodiernidade em uma mescla retrofuturista que, apesar de encher os olhos, se mostra vazia de espírito; tecnicamente estonteante, com fotografia e design de produção apuradíssimos, mas oco em alcançar o lado de cá da tela. Perdi as contas de quantas pessoas vi se levantando e abandonando a sessão antes mesmo da metade. É como se Coppola quisesse falar sobre a sociedade mas, em contrapartida e contraintuitivamente, se negasse a estabelecer um diálogo direto com a mesma.

Assistir “Megalopolis” é como assistir a uma peça clássica, com o que há de melhor em representação e de pior em vícios. Para retratar idealistas rivais em uma trama política de traições familiares e temor ao progresso, Coppola recorre a uma formatação na montagem que em tese seria perfeita, mas que cuja consumação mal feita destrói em grande parte a apreciação narrativa do filme. Há aqui a presença de um narrador, guiando a interpretação do público como um coro, só que sua presença, além de confusa e intrusa em diversas cenas, é tão descartável que até mesmo o próprio filme a renega em dado momento, abrindo mão da linguagem adotada e aderindo a um dinamismo mais popular. Em seus melhores momentos, o filme lembra “Romeu + Julieta” (1996), de Baz Luhrmann, por sua dinâmica entre o antigo e o moderno; e em seus piores momentos, o filme é tão esquecível quanto quaisquer outros filmes esquecíveis, e para esses não me lembro de títulos para comparar. “Megalopolis” convulsiona em si mesmo por não determinar nem onde quer chegar e nem tampouco os caminhos que tomará até lá. O desenvolvimento é fatigante e a conclusão é apática. Em outras palavras, o filme não justifica hoje a própria existência e se faz tão conceitualmente idealista quanto um espinafre sozinho em um prato branco.

“Para entender tempo, conhecimento e coragem é preciso identificá-los em si mesmo” – diz também o filme. Em suas passagens de questionamento ao divino e à capacidade humana de criá-lo em sua mente, a corrida por uma cidade perfeita tropeça nos próprios devaneios metafísicos que lança de forma avulsa para ser mais artístico do que realmente é. Boas ideias não garantem boas realizações, infelizmente; e isso agora se prova com um dos maiores nomes do cinema. Em sua crítica aos presságios cridos e ao comunismo que paira sobre as cabeças selvagemente capitalistas e cai como uma bomba, usa-se um discurso de enfrentamento aos regimes vigentes que, além de não sugerir soluções, mal consegue determinar a problemática. São falsos progressos, vistos tanto na promessa de César quanto na premissa de Coppola. Torço, de coração, para que o filme seja ressignificado daqui algumas décadas e seja visto como uma obra-prima incompreendida em seu lançamento. Mas, por hoje, ele é apenas um projeto de auto prazer comparável a um cachorro que se lambe em busca de satisfação.

“Quando o coliseu cai, Roma cai também. Quando Roma cai, o mundo cai junto” – outro pensamento determinado no filme. Almeja-se parar o tempo, mas o tempo não para. A sociedade evoluiu, mesmo embora ainda abarque a selvageria herdada em uma evolução implodida, e a maneira de comunicar ideias também mudou. Coppola provavelmente não se deu conta disso, e dessa vez agiu com uma dose exacerbada de arrogância ao tratar seu público como meros analfabetos funcionais enquanto diz coisas que, honestamente, não levam a lugar nenhum. E assim, o sonho de épico avassalador para guiar a humanidade a uma consciência em favor da própria utopia se transforma em uma distopia comercialmente fracassada. O macro se concentra em um micro, como se a razão de todas as desgraças se limitassem a figurões excêntricos em jantares privados dentro de um coliseu de bizarrices. Findou-se o coliseu, acabaram o pão e o circo. Ficou apenas o eco da expectativa, tão inevitável quando se trata de um gigante como Francis. Um projeto ambicioso, um desperdício de elenco. Quebra-se o encantamento com o nome, como se ele mesmo se bastasse para que a obra fosse boa. Com isso, “Megalopolis” provou ser um filme com mania de grandeza que, como seu diretor, mostrou superestimar a si mesmo.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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