⚠️ VEJA OUTRAS CRITICAS DO PAPO EM NOSSO ACERVO (SITE ANTIGO).

ACESSAR SITE ANTIGO
PitacO do PapO

“Maria Callas”: com Angelina Jolie, cinebio de diva da Ópera oscila entre o delírio e os últimos dias da cantora em Paris | 2025

Maria Callas talvez tenha sido a cantora de ópera mais conhecida mundialmente do Século XX, seja por sua excelência vocal em imortalizar óperas como Tosca, de Puccini, ou pelo seu status de celebridade ‘A-list’ que tinha os tabloides da época devassando a vida da cantora, especialmente seu relacionamento conturbado com o magnata Aristóteles Onassis. Quando este a trocou por Jackie Kennedy, Callas agonizou em praça pública sedimentando seu declínio pessoal como artista e como figura pública na mídia nos anos subsequentes.

A cinebiografia que chega aos cinemas brasileiros em janeiro de 2025 é dirigida pelo chileno Pablo Larraín e conta com a interpretação milimetricamente construída pela superstar Angelina Jolie. A atriz adota o sotaque e a voz empostada de Callas, que era greco-americana, e se beneficia de figurinos e adereços que remetem diretamente à diva, como o óculos gigante com aros de tartaruga e lentes grossas, tão característicos da fase final de sua vida. Larraín não se interessa por reconstruir de forma didática a vida de Callas como as cinebiografias padrões de Hollywood, mas como em “Jackie” (2016) e “Spencer” (2021), concentra-se em um determinado momento da vida da biografada, neste caso, nos dias finais de Callas quando morava em sua mansão parisiense apenas com seu mordomo Ferruccio (Pierfrancesco Favino) e sua cozinheira Bruna (Alba Rohrwacher) em 1977.

Solitária e delirante, Callas está viciada em um sedativo e relaxante muscular chamado Mandrax e parte do que assistimos no filme é uma oscilação do que ocorreu de fato e de elementos fantasiosos da mente da cantora que cria a ilusão de conceder uma entrevista sobre a sua vida para o jornalista Mandrax (!) interpretado por Kodi Smit-McPhee. Entre passeios em cartões postais de Paris ou sentada na suntuosa sala de sua residência, Callas relembra passagens marcantes de sua vida apresentadas para o público sob a forma de flashbacks em preto e branco como a noite em que conheceu Onassis, aqui interpretado por Haluk Bilginer. O ricaço se apaixona perdidamente pela artista após uma de suas apresentações e, contrariando quaisquer convenções, se declara explicitamente para ela em uma festa, mesmo ambos sendo casados naquela época. Callas fica intrigada com a ousadia pública de Onassis e o alerta “Há um momento em que a autoconfiança se torna insanidade”.

O que Larraín propõe é um enredo fragmentado que permite que o público tenha apenas um encontro superficial com a diva, garantindo uma ou outra cena interessante em meio aos delírios da cantora em fase depressiva. Há pinceladas sobre a  angústia dela de já não conseguir cantar como antigamente, sua personalidade perfeccionista traduzida na constante obsessão de fazer seu mordomo Ferruccio posicionar corretamente o piano em lugares diferentes de sua sala e sua drogadição por sedativos. São uma sucessão de momentos de seu cotidiano, com ritmo arrastado, em uma produção que preza mais pela composição visual do que pelo conteúdo.

Jolie passou mais de 6 meses treinando Ópera com um coach vocal e aprendeu a mimetizar a postura e elegância de Callas no palco. Dessa forma, Larraín conseguiu mesclar a voz de Jolie com a voz de Callas através de uma tecnologia que permite esta fusão sem soar fake e de fato a atriz consegue imprimir potência cênica nas reconstituições das principais peças de Ópera que o filme cobre como Anna Bolena, de Donizetti, na La Scala de Milao. No entanto, o perfeccionismo de Angelina Jolie em assumir a persona Callas acaba tornando-se um exercício deveras técnico, carecendo de qualquer cena que evoque emoção genuína ou espontaneidade da atriz.

Ao final, fica uma sensação de estranheza e a dúvida do porquê Larraín teria resolvido abordar ângulos tão aleatórios e desinteressantes da personalidade de Callas, quando ele tinha nas mãos um vasto material para mergulhar sobre uma mulher poderosa, de personalidade fascinante e com experiências de vida riquíssimas.

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo