“Ladrões”: longa mergulha de cabeça nos anos 90 e transforma a nostalgia em uma experiência carregada de excessos | 2025

Os anos noventa proporcionaram um grande ponto de virada no audiovisual. Foi o tempo em que o cinema se deixou atravessar pela vibração dos videoclipes, embalado pelo pulso incessante de fenômenos como o da MTV. As histórias corriam com pressa, a montagem saltava de quadro em quadro como se buscasse acompanhar o ritmo de uma batida e a música deixava de ser pano de fundo para ditar o compasso das imagens. É essa atmosfera, feita de excesso e vertigem, que Darren Aronofsky procura recriar em “Ladrões”.
Ao revisitar esse imaginário, Aronofsky enfatiza ritmo e energia, acelerando a montagem como se buscasse acompanhar uma respiração ofegante. Nesse processo, ele traz de volta não só o fascínio estético da época, mas também seus problemas. Estereótipos étnicos e sociais voltam à cena de forma escancarada, reduzindo personagens a caricaturas que lembram piadas batidas, do tipo “um judeu, um russo e um porto-riquenho entram num bar”. O que um dia pôde soar aceitável dentro de um contexto histórico, hoje se revela deslocado, constrangedor e, em alguns momentos, francamente irresponsável.
Mais uma vez Austin Butler (Hank Thompson) rouba a cena. O ator sustenta o filme com uma presença que mistura carisma e brutalidade, reafirmando o arquétipo de bad boy que Hollywood vem lhe atribuindo. Em “Elvis”, já explorava a tensão entre fascínio e autodestruição; em “Duna: Parte Dois”, dava corpo à pura maldade encarnada; em “Clube dos Vândalos”, imprimia risco na própria fisicalidade. Em “Ladrões”, confirma esse percurso, mas encontra espaço para dar densidade a um personagem que poderia se reduzir a mero clichê
Embora explore um território que lhe seja menos habitual, Aronofsky mantém marcas reconhecíveis de sua filmografia. Ao longo da carreira, se voltou repetidas vezes a personagens presos em processos de autodestruição. Hank Thompson se inscreve nessa galeria, mas com um contorno particular. É um rapaz com profundas ligações maternas, embora já não viva com a mãe, dependente de álcool e obcecado por beisebol, esporte no qual chegou a despontar como promessa no ensino médio até perder tudo em um acidente. Essa queda precoce confere ao personagem uma fragilidade latente e torna verossímil a empatia que o espectador sente quando ele se vê arrastado para uma trama de violência e degradação. A diferença é que, ao contrário do tom trágico de “O Lutador”, da melancolia de “A Baleia” ou da obsessão de “Cisne Negro”, aqui não há espaço para contemplação. A narrativa atropela qualquer possibilidade de pausa e transforma a queda do personagem por vezes, em uma comédia sombria que se desenrola em tempo real.
“Ladrões” surge como um corpo estranho na trajetória do diretor, mas um corpo que revela inquietude. Ao olhar pro passado, Aronofsky arrisca-se em uma paródia que ora diverte, ora incomoda, mas que não abandona sua velha obsessão por personagens à beira da ruína. É um filme irregular, que oscila entre a irreverência e o anacrônico, mas que reafirma a recusa do cineasta em permanecer na zona de conforto.