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“Jurassic World: Recomeço”: reboot reaquece a franquia mesclando aventura e horror com todos os erros e acertos dos anteriores | 2025

Já falou pra ele dos zeros?

Quando escutamos ou lemos uma piada pela primeira vez, ela costuma ter o impacto intuído de levar quem a recebe ao riso. Ouvir a mesma piada pela segunda vez pode até fazer rir de novo, mas não tanto como ocorreu anteriormente. Lá pela terceira ela já perde a graça, tornando-se apenas uma crônica que outrora arrancou algum riso. Contudo, existem também piadas que nunca perdem o brilho, dessas que podem ser ouvidas dez vezes durante o dia e em todas elas haverá gargalhadas eufóricas. Esse fenômeno é, na verdade, fruto de uma relação entre texto e locutor. O segredo de uma boa piada está mais em quem conta e na forma como ela é contada do que na qualidade do que ela diz. Figuras como Igor Guimarães conseguem arrancar risos de multidões de plateias não tanto pelo que falam, mas mais pela forma como o fazem em seu modo de ser.

Com um paralelismo frustrante, podemos colocar a franquia “Jurassic World” ao lado desses traços orgânicos do humor para destacar que, assim como a piada repetida, os filmes foram perdendo a graça. O filme de 2015 foi um deleite, o de 2018 teve lá o seu charme, e o de 2022 já evidenciou o esvaziamento criativo na exploração desse mundo hipotético onde dinossauros e humanos coexistem. Claro que, como fã, continuo me empolgando com as figuras pré-históricas monstruosas que dominaram meu imaginário desde a primeira vez que vi “Jurassic Park” (1993) na infância; mas verdade seja dita, após o reboot de dez anos atrás, as sequências vêm decaindo de nível uma após a outra em uma espiral de reciclagens pouco inspiradas.

Lembro que quando escrevi sobre “Jurassic World: Domínio” três anos atrás, dei uma nota generosa no calor do momento por causa da deliciosa sensação de rever meus amados Alan Grant, Ellie Sattler e Ian Malcolm juntos em cena novamente, agora ao lado de Owen e Claire. Contudo, os problemas que o filme tem (notados, inclusive, na primeira vez que o assisti) se atenuaram consideravelmente quando o fator saudosismo se aquietou, e a nota que eu daria a ele hoje seria drasticamente inferior. A nostalgia não se basta como elemento forte o bastante para perpetuar uma obra como boa, por mais calorosa que ela possa ser. Obras que amamos costumam se mostrar terrivelmente inferiores quando as revisitamos (salvo, claro, casos isolados de clássicos atemporais, como o próprio “Jurassic Park”, que continua excelente até hoje). Hoje, revendo “Domínio”, identifico vícios e problemas que poderiam ser contornados se a produção tivesse tido um pouco mais de capricho desde suas etapas iniciais – e sim, falo do roteiro.

O novo filme da franquia de dinossauros mais famosa e querida do cinema sofre, infelizmente, do mesmo mal de seu antecessor – mas agora, pelo menos, estamos mais vacinados. Quem assina a trama dessa vez é David Koepp, nome conhecido dos fãs por ser também o roteirista do primeiro filme de toda a saga, dirigido brilhantemente por Steven Spielberg. Há boas ideias, boas passagens, cenas eletrizantes, e momentos de fascínio que denotam a paixão dos criadores do projeto pelas criaturas aos quais dão vida; dá para ver aqui alguma engenhosidade mitológica e até mesmo momentos de tensão com ares de horror à lá “Alien: O Oitavo Passageiro” (1979), que é inclusive uma das inspirações ao dinossauro mutante da vez – mas o principal a ser corrigido, que é a estrutura narrativa frouxa, com diálogos desnecessariamente expositivos, repleta de personagens tipo e clichês à revelia, não muda.

Há trechos de deslumbramento ao ver ou tocar dinossauros pela primeira vez, trechos com diálogos científicos que depois se mostram ignorantes perante a natureza ofensiva dos bichos, trechos de discursos pseudo intelectuais e de corridas frenéticas para fugir de predadores, e trechos de representantes corporativos despudoradamente ambiciosos se dando mal para o público suspirar com algum senso de justiça – tudo conforme esperado, de forma previsível, como se houvesse uma cartilha a ser preenchida com os requisitos básicos para uma que uma produção da franquia seja feita. Tudo que foi descrito agora casa com quase todos os filmes da franquia (exceto o terceiro “Jurassic Park”, de 2001, que é uma expedição sem nenhuma grande corporação). A trama da vez apresenta riscos aos protagonistas, claro, mas tudo é tão limpo que nenhuma morte é de fato sentida aqui com o devido peso nem sequer pelos outros personagens. Há mortes e ataques que sequer são mostrados explicitamente. O fator de risco, embora presente, acaba soando bem pouco urgente.

Com mercenários sorridentes demais e uma família tão atípica quanto absurda, “Jurassic World: Recomeço” tem cenas memoráveis rodeadas de conveniências tão intragáveis que, falando como fã, soam quase ofensivas. Por mais que o resultado final dessa nova empreitada se esforce para cativar com referências nostálgicas e fanservices para todo lado, falta ao todo aquele toque de ousadia e risco que se viu em “Reino Ameaçado”, onde Bayona ousou fazer algo diferente e pavimentou o caminho para um futuro que fizesse juz ao título da franquia e que, bem, acabou ficando só na promessa mesmo. O filme reaquece a franquia, mas não consegue colocar temperos suficientes para dar a ela um gostinho de novidade; fica ao final aquele sabor frustrante de coisa velha e requentada. Deixo registrada minha torcida para que, na continuação que certamente será produzida em breve, “Jurassic World” volte a ter a graça de uma piada nova – ou, no caso, o toque extraordinário que era visto outrora. “Recomeço” é um bom entretenimento casual, uma sessão pipoca interessante mesmo apesar dos tantos abusos do chroma key, que diverte e faz carinho nos fãs. E só. Infelizmente.

 

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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