“Harold e o Lápis Mágico”: Adaptação simpática de clássico literário se limita a agradar público infantil | 2024
O diretor brasileiro Carlos Saldanha tem em seu currículo uma extensa filmografia de ótimas obras voltadas para o público infantil, como “Rio” (2011) e a bem-sucedida franquia de “A Era do Gelo” (2002). Naturalmente, em algum momento, surgiria a encomenda de adaptar um clássico literário infantil norte-americano após tantos anos marcando presença no mercado cinematográfico de animações para crianças. “Harold e o Lápis Mágico”, escrito e ilustrado por Crockett Johnson em 1955, é uma daquelas obras que permeiam o imaginário coletivo das crianças e não tem a mesma projeção que teve nos Estados Unidos aqui no Brasil. Dessa forma, existe um peso e uma expectativa em mexer nesses ícones que fizeram parte da infância das pessoas. Saldanha consegue adaptar a premissa do livro para os tempos modernos, mas da um passo ambicioso ao expandir a proposta para o live-action com a ajuda do carismático Zachary Levi no papel principal do Harold adulto.
Em linhas gerais, Harold é um garoto que dentro de seu livro consegue desenhar qualquer coisa com seu lápis crayon lilás e fazer esses desenhos magicamente criarem vida. Ao seu lado, o garoto tem a companhia de um Alce e um Porco-espinho interpretados por Lil Rel Howery e Tanya Reynolds respectivamente. Quando Harold se torna adulto em seu livro e a voz de um homem idoso narrador (Alfred Molina) para de interagir com os personagens, Harold decide desenhar uma porta para o “Mundo Real” afim de descobrir o paradeiro de seu criador. A partir deste ponto da narrativa, o elenco muda da animação para o live-action, e o caminho dos três personagens cruza com o de uma mãe viúva chamada Terry (Zooey Deschanel) e seu filho Mel (Benjamin Bottani), que sofre bullying e nutre afeto por um amigo imaginário que é uma mistura de dragão com um lagarto.
O mundo fantástico que o roteiro propõe e a essência do livro são preservados e bem defendidos pelo elenco, que encontra no bom-mocismo de Zachary Levi e na doçura de Deschanel o equilíbrio certo para que este seja um programa infantil eficiente. No entanto, a obra carece de trazer um enfoque mais infantojuvenil para abarcar um público maior, seja com diálogos mais maduros ou situações que poderiam extrair mais humor de seu elenco, principalmente dos personagens do Alce e do Porco-espinho, os alívios cômicos desta história. A experiência fica claramente restrita ao público infantil, que parecia se interessar e não desgrudar os olhos da tela de cinema na sessão em que assisti ao filme nos Estados Unidos. Os pais e irmãos mais velhos, por sua vez, pareciam entediados e impacientes para que a projeção se encerrasse logo. Isso é um mau sinal de que Harold não encontrará abrigo em um público mais universal, como outras obras infantis recentemente fizeram, a exemplo de “Divertidamente 2” (2024) ou “Amigos Imaginários” (2024).
Entra em cena também o antagonista do filme, um bibliotecário local que aspira criar livros épicos de aventura que parecem mesclar, de forma duvidosa, “O Senhor dos Anéis” com “Dungeons and Dragons” em uma tacada só. Parceiro de longa data de dublagem dos filmes de Saldanha, o ator Jemaine Clement interpreta esse papel, que ganha o nome de Gary e uma representação cheia de cacoetes e afetações que fazem o filme pisar ainda mais fundo no acelerador da representação de vilão de filme infantil. Gary tem a ambição de arrancar o lápis lilás de Harold para obter poder invencível e realizar seus próprios desejos. No entanto, essa tentativa de inserir conflitos e impulsionar o enredo é fraca e pouco empolga o publico.
Ao final da experiência, fica muito claro que “Harold e o Lápis Mágico” só conseguirá ganhar prestígio entre as crianças, lançando mão de efeitos visuais sem muita pompa e sem contar sequer com aquele senso de humor inteligente e afiado que filmes como “Shrek” ou “O Gato de Botas” sabem fazer tão bem. É um candidato fraco nas salas de cinema para competir com os estrondosos sucessos da Disney e da Universal no concorrido verão americano, e é certamente uma obra que não conseguirá estabelecer uma relevância maior dentre as adaptações mais impactantes do gênero.