“Greice”: Entre drama e humor, filme narra as alegrias e dificuldades de uma estudante brasileira em Lisboa | 2024
Uma comédia sobre desejo e liberdade. Essa talvez seja a melhor síntese para definir “Greice”, longa do diretor e roteirista Leonardo Mouramateus, vencedor do 13º Olhar de Cinema, que teve sua primeira exibição no 53º Festival Internacional de Cinema de Roterdã, sendo recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica. Contando com uma coprodução luso-brasileira, o filme é fruto da experiência do jovem realizador brasileiro baseado Lisboa desde 2014, que mantem permanente contato com as artes performativas e a dramaturgia em dança, influências bastante presentes neste seu terceiro longa-metragem.
O filme acompanha a jornada de Greice (Amandyra), uma jovem brasileira de 22 anos que estuda belas-artes em Lisboa. Nos primeiros dias do verão, ela se envolve com o enigmático Afonso (Mauro Soares). Durante uma animada festa de recepção para os novos calouros na universidade, o casal é responsabilizado por um estranho acidente ocorrido durante o evento. Greice precisa, então, voltar a Fortaleza, sua cidade natal, para renovar seu título de residência. Escondida em um hotel para evitar que sua mãe descubra os apuros em que se envolvera, ela contará com amigos e conhecidos de ocasião numa jornada de busca por um lugar no mundo.
O roteiro do filme é estruturado a partir de uma colagem de acontecimentos que retrata a realidade típica de jovens estudantes que vão para um país estrangeiro aprimorar o conhecimento e viver boas aventuras. A pouca grana, os bicos de meio período e a moradia de asseio duvidoso fazem parte desse caleidoscópio de perrengues experimentados por quem vive a milhas de distância de sua terra natal. O fio da trama é conduzido pela tentativa de resolução de um problema trivial – o desentupimento da pia da cozinha – que fará com que Greice embrenhe-se em uma série de situações embaraçosas. Do envolvimento amoroso com Afonso, passando pelo acidente que forçará o seu retorno ao Brasil, a protagonista é levada por sucessivos acasos, muitos dos quais provocados pelo traço de sua personalidade, que se utiliza de mentiras, em certa medida inocentes, como ferramenta de sobrevivência, mas que a colocam frente a situações que comprometem os seus planos de permanência em Lisboa.
Apesar de se definir como um gênero de comédia, o primeiro ato do filme passa ao largo disso. Na apresentação dos personagens e em suas primeiras interações, o roteiro parece caminhar para um drama experimental. O diálogo inicial entre Greice e Afonso, por exemplo, até possui algum gracejo, numa cena em que ela usa de suas pequenas mentiras para convencê-lo a ceder sua bela casa para produção de um clipe, quando a real pretensão da protagonista e da amiga é apenas usufruir da piscina. Entretanto, é difícil encontrar humor nos diálogos subsequentes, que não soam natural. Ainda que a ideia do diretor possa ter sido uma confluência de gêneros, a tentativa de inserção de alguns elementos cômicos no arco dramático inicial parece não ter funcionado. As performances de dança, com aparições aleatórias, embora contem com a excelente atuação de Isabéll Zuaa, atriz que interpreta a personagem Clea, também soam deslocadas. Mesmo que a colagem tenha sido inspiração para o roteiro, a quebra de ritmo acaba sendo inevitável. Esses acidentes de percurso não comprometem a trama, mas desconectam o telespectador da experiência.
A partir do segundo e terceiro atos, porém, o filme engancha e passa a caminhar com maior fluidez, permitindo que a comédia surja de forma mais intensa, sobretudo por conta do excelente trabalho de Dipas, que interpreta Enrique, o camareiro do hotel onde Greice se hospeda em seu retorno furtivo à Fortaleza. A troca estabelecida entre os dois atores, o tempo das piadas e as performances de dança estão em excelente sintonia. Essa virada, que abraça um tom cômico e mais lúdico, provou a versatilidade de Amandyra, que mesmo desfavorecida pelo texto do roteiro no primeiro ato, faz um belo trabalho, realizando a transição do drama à comédia sem maiores problemas.
Embora tenha alguns problemas, “Greice” é uma interessante experiência sensorial que nos convida a embarcar na jornada de autodescoberta da protagonista, alimentada por desejos e sonhos de liberdade, temperada com algumas pitadas de inocentes mentiras, que, de uma forma ou de outra, acabam sendo necessárias para garantir a nossa sobrevivência, especialmente quando se vive em um país estrangeiro.