“Grande Sertão”: Com performance impecável de Caio Blat, filme reimagina o clássico de Guimarães Rosa | 2024
A história literária brasileira é vasta e riquíssima, sendo uma das maiores do mundo. Entre os grandes, Guimarães Rosa ocupa a prateleira mais alta, juntamente com alguns poucos de mesmo porte. Adaptar essas obras para outra mídia é um desafio hercúleo. No entanto, temos um histórico de sucesso com adaptações de clássicos para o cinema, como “Vidas Secas” e “Lavoura Arcaica”. Dessa vez, o desafio ficou nas mãos de Guel Arraes, em parceria com outro grande cineasta, Jorge Furtado, que assina o roteiro em conjunto com Arraes. O histórico dos dois fala por si, e graças a esse talento, “Grande Sertão” é digno do nome e da origem que carrega.
Em uma comunidade periférica, o conflito entre policiais e a milícia local atinge níveis alarmantes. Nesse cenário tumultuado, Riobaldo (Caio Blat), impulsionado por seu amor por Diadorim (Luisa Arraes), decide se juntar ao bando de Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi), mesmo sem ter a coragem de assumir plenamente seus sentimentos.
Arraes reimagina o universo de Guimarães Rosa, transportando a temática para um cenário urbano que, embora remeta às favelas, apresenta elementos de um futuro distópico facilmente concebível. Mantêm-se os nomes e grande parte das personalidades dos personagens, enquanto a encenação teatral preserva o lirismo e a poesia da obra original. Caio Blat, familiarizado com o texto, entrega um de seus melhores trabalhos. Todo o elenco oferece performances excepcionais, acompanhadas de caracterizações marcantes. O figurino de Luis Miranda, que interpreta Bebelo, por exemplo, é carregado com uma evidente estética fascista. Eduardo Sterblitch, na pele de Hermógenes, representa o mal absoluto no universo da narrativa. Um olhar para sua figura é suficiente para captar essa essência. O que também impressiona é a condução da história, que nunca descamba para o idealismo nem se torna uma questão moral, erros cometidos pelo recente “Medida Provisória”.
Guimarães Rosa criou um sertão que transcende o realismo. Um espaço onde o fantástico e o cotidiano se misturam, formando um universo multifacetado que abrange o físico, o espiritual e o mítico. Diferente de Guimarães, Arraes não inova na forma, mas retrata com precisão esse palco onde a tragédia e a beleza da existência humana se desenrolam.