“Godzilla e Kong: O Novo Império” : Novo filme do monsterverse expande seus domínios com novos duelos de titãs | 2024
A gente corre sem olhar pra trás
Dez anos atrás, quando Gareth Edwards trouxe ao mundo seu monstruoso “Godzilla”, era inimaginável que aquela besta-fera lenta e sumariamente pesada algum dia conseguiria correr como um atleta ou dar saltos de centenas de metros como se fosse um velociraptor gigante; mas foi exatamente o que aconteceu, e aquela figura reptiliana monocromática ganhou adornos e cores que parecem ter aderido ao fenômeno Barbenheimer, já que agora é rosa e tem um poder de destruição atômica ainda maior – ou pelo menos em teoria.
Naquele longínquo ano de 2014, quando o dito “monsterverse” se iniciou, o mistério era a base que conduzia a narrativa aterrorizante que se propunha a ser contada, com o kaiju quase sempre às sombras ou envolto por nevoeiro ou poeira. Hoje o mistério já não existe mais, e em seu lugar está uma necessidade latente de fazer graça enquanto o mundo definha sob os pés de tantos titãs enfurecidos. Perdeu-se o tom sombrio, perdeu-se a sobriedade, e ganhou-se um entretenimento raso e despretensioso que, embora soe supérfluo e até presunçoso (dado seu desvirtuamento em relação às anedotas originalmente concebidas aos monstros), consegue cativar multidões aos cinemas por ser nada além de uma brincadeira infantil em grande escala.
Curiosamente, a ausência de camadas e simbolismos que transcendem a trama não é um problema. O filme não se propõe a ser mais do que um entretenimento ocasional, nem nunca se propôs (afinal é o monsterverse, não um “Minus One”), e por isso abdica de algumas responsabilidades quanto a própria causalidade e segue negligenciando as consequências que os embates dos monstros causam nas grandes cidades ao redor do mundo. Não há um temor real pela ameaça vigente, não há receio quanto a qualquer risco de morte e nem há uma urgência que transponha os absurdos mortais da tela para o público. Tudo se resume a diálogos expositivos e porradaria, e se é porradaria de computação gráfica entre monstros gigantes que você quer ver, então é exatamente o que verá.
O núcleo humano, embora continue redundante em boa parte do tempo, aqui tem alguma utilidade e não agride o tempo do filme com interrupções desnecessárias àquilo que queremos ver. As piadas estão mais equilibradas, o humor está um pouco mais refinado – um pouco -, e finalmente alguma personagem humana tem real relevância para o desencadeamento dos eventos que o filme traz. Esse conjunto de observações pode fazer parecer que o filme é uma colcha de retalhos mal conectados, mas para surpresa e agrado da maior parte do público, o filme não só funciona melhor do que o anterior como também é mais eficiente em estabelecer seu vilão. Claro, a ameaça do Scar King não é nem de longe tão imponente quanto a do Gidorah, mas atende a demanda do roteiro em representar uma ameaça estratégica para Kong. E por falar em Kong, é dele o protagonismo e o espírito do filme.
Kong possui o arco que alavanca o filme para frente, e é por meio de sua humanidade – se é que é possível usar essa palavra aqui – que o público mais uma vez se faz entender através de sinais e expressões que dispensam a necessidade de diálogos ou explicações. Honestamente, torço para que os executivos da Warner e da Legendary algum dia tenham coragem de fazer um filme inteiro só com os monstros, sem a necessidade da interferência humana para justificar cada passo do roteiro. Mas apesar disso, “Godzilla e Kong: O Novo Império” expande o universo ao qual pertence e cumpre com bons méritos sua função escapista. Na sessão que estive, foi amplamente aplaudido em dois momentos. O público tem amado e tem rendido dinheiro, então mais filmes do monsterverse virão em breve. E se continuar o que foi iniciado nesse filme, daqui pra frente é só pra baixo – mas no melhor sentido, assim esperamos.