Festival do Rio: “Virgínia e Adelaide” , de Jorge Furtado e Yasmin Thayná | 2024
Em entrevista durante o Festival do Rio, Jorge Furtado me contou que a ideia de adaptar a história de “Virgínia e Adelaide”, surgiu do acaso, quando perambulava por alguns blogs na internet. Ele se surpreendeu com o fato de desconhecer que a primeira psicanalista do Brasil era uma mulher e também era negra. Inicialmente pensada como uma peça de teatro, a obra veio a ganhar um formato para as telonas com a chegada da pandemia em 2020. Que bom para o espectador, já que o cinema por sua vez tem um alcance um tanto maior que montagens para o teatro, que só costumam passar pelas capitais do país.
O filme lança luz sobre a vida e a obra de Virgínia Leone Bicudo (Gabriela Correa), uma socióloga e psicanalista negra brasileira, e Adelaide Koch (Sophie Charlotte), uma médica e psicanalista autodidata, judia alemã e branca. As duas se encontraram em 1937, um ano após a chegada de Adelaide ao Brasil, ao fugir da perseguição nazista, acompanhada pelo marido e suas duas filhas. Juntas, elas viriam a se tornar pioneiras na divulgação da psicanálise no país, enfrentando barreiras e preconceitos.
As duas foram médica e paciente por cerca de cinco anos, colegas por mais de três décadas e amigas ao longo da vida. E é pautado nessa amizade que o longa sob a direção de Furtado juntamente da jovem Yasmin Thayná conduz o espectador, colocando suas fraquezas frente a frente , fazendo surgir o que hoje conhecemos como sororidade, que é quando duas mulheres se respeitam e se apoiam. Adelaide fugindo do nazismo e de uma cultura antissemita que já havia dizimado milhares dos seus. E Virgínia, vítima de uma sociedade preconceituosa, que rebaixa e menospreza por conta da cor da pele. Os traumas haveriam de unir de vez essas duas mulheres tão diferentes mas com medos e perspectivas de vida muito parecidas.
O modo encontrado pela direção para honrar a trajetória dessas importantes mulheres deve ser reverenciado. “Virgínia e Adelaide” é um ‘docudrama’, um formato ficcional que mistura elementos do documentário. Pode parecer um tanto didática essa escolha, mas o que diferencia essa produção de outras que já lançaram mão desse caminho, são os recursos narrativos apresentados ao espectador, com uma montagem criativa e com muito ritmo, que não deixa que os dados apresentados, como datas e lugares, caiam no campo da monotonia.
“Virginia e Adelaide” nos conta sobre mais um episódio da nossa história que tentaram tirar de nós. Coube a dramaturgia lançar luz e , ainda que tardiamente, honrar o legado de duas mulheres que juntas democratizaram o ofício da psicanálise e por sua vez mudaram os rumos da saúde pública no Brasil. O filme da dupla Furtado e Thayná, que teve sua estreia em Gramado esse ano e chega ao Festival do Rio, é uma produção bem cuidada e que merece todo reconhecimento que teve até aqui.