Festival do Rio: “Conclave”, de Edward Berger | 2024
Não existe vácuo no poder. Quando uma liderança se vai, seja qual for o motivo, outra força inevitavelmente ocupa o espaço. Para evitar revoluções e tornar a transição a mais ordeira possível, os ritos de passagem são essenciais. Na democracia, ele se dá através do voto popular; na Igreja Católica, o processo é chamado de Conclave. Após conquistar o Oscar de Melhor Filme Internacional com “Nada de Novo no Front”, Edward Berger retorna com um novo projeto. Nele, se por um lado o cenário é distinto, por outro as trincheiras permanecem.
Após a morte do papa, tem início o Conclave para a escolha de seu sucessor. A responsabilidade de organizar e supervisionar o processo recai sobre o cardeal Lomeli (Ralph Fiennes). À medida que os demais cardeais se reúnem para eleger o novo líder da Igreja, Lomeli se depara com um intrincado jogo de poder, revelando conspirações que podem ameaçar o futuro da instituição.
Em muitos projetos, o cenário acaba se tornando um personagem por si só. Isso pode ser positivo, quando há uma conexão genuína entre o espaço e a linguagem, mas também pode cair na armadilha da conveniência, utilizando símbolos ou imagens icônicas apenas para chamar atenção, sem profundidade, criando algo vazio. Felizmente, “Conclave” compreende essa distinção com precisão. Embora ambientado em um dos maiores marcos arquitetônicos da humanidade, o Vaticano, e cercado por obras-primas como a Capela Sistina, o filme não trata esses elementos como meros adornos. Os simbolismos se integram à narrativa, e muito do não dito é expressado visualmente. O cenário não é apenas belo; ele tem algo a comunicar. Outros ambientes, como os quartos, corredores e até o refeitório, contribuem para a sensação de clausura, às vezes beirando a claustrofobia, seja nos momentos mais luminosos ou envoltos em sombras.
Contribuindo para esse aspecto atmosférico, o tom do filme se assemelha bastante às tramas de espionagem, adotando elementos que remetem a um dos mestres do suspense: Alfred Hitchcock. Assim como nas obras de Hitchcock, a sensação de perigo iminente e os jogos psicológicos entre os personagens mantêm o espectador envolvido. Propositalmente, somos mantidos alheios a tudo que acontece fora daqueles muros, e qualquer manifestação externa se torna uma surpresa tanto para os personagens quanto para nós, o público.
Acompanhamos esses enigmas pelos olhos do cardeal Lomeli, interpretado brilhantemente por Ralph Fiennes, que aqui entrega um dos melhores trabalhos de sua carreira. Seu personagem, que nas aparências é um cardeal experiente e convicto, luta internamente com dúvidas profundas que abalam sua fé, especialmente sua crença na Igreja como instituição. Contudo, apesar da boa direção de atores e da cuidadosa composição dos cenários, o ritmo excessivamente cadenciado faz com que a densidade proposta, em determinados momentos, se torne um fardo cansativo, beirando o tédio. Em poucas palavras, falta fluidez, o que enfraquece os momentos de virada, especialmente na revelação final. A narrativa constrói uma expectativa para o clímax, que, quando finalmente ocorre, tem impacto, mas não a força necessária para deixar uma marca duradoura.