Festival do Rio 2024: “Câncer com Ascendente em Virgem”, de Rosane Svartman
Chupa, câncer!
Em 2008, Clélia Bessa recebeu a notícia que ninguém gostaria de ouvir. A renomada produtora estava com câncer. Em seguida ela fez o que costumamos chamar de ‘fazer do limão uma limonada’: durante o tratamento que a curou de um câncer de mama, Clélia lançou o emocionante e divertido blog “Estou com Câncer, e Daí?”. A ideia era desmistificar a doença e deixar a vida de outras pessoas que estavam passando pela mesma situação mais leve. O blog alcançou seu objetivo, e hoje, inspirado nas histórias contadas ali, a trajetória de Clélia ganha as telas com roteiro assinado por Suzana Pires, em parceria com Martha Mendonça e Pedro Reinato, e conta com a colaboração da autora Ana Michelle, Rosane Svartman e Elisa Bessa, filha de Clélia.
No filme conheceremos a professora de matemática e influenciadora educacional Clara (Suzana Pires), que precisa confrontar seu estilo de vida agitado e personalidade controladora quando é surpreendida pelo diagnóstico de câncer de mama. A triste notícia abre espaço para que Clara repense o modo como conduz suas relações, ressignificando padrões de beleza e seus valores. Nessa jornada, ela se aproxima da mãe Leda (Marieta Severo), uma mulher mística e cheia de positividade, e da filha, Alice (Nathália Costa), uma adolescente que herdou muitas características dela, como o jeito independente, por exemplo.
Essas três gerações de mulheres começam então a dividir suas vulnerabilidades e desafios, numa troca profunda e verdadeira. Clara vai aprender que precisar do outro não é um insulto e que os fardos ficam mais leves quando compartilhados. A partir dessa premissa, o filme sob a direção de Rosane Svartman (“Vai na Fé” – 2023), já conhecida por trabalhos que ganharam o grande público, investe em manusear um tema dolorido com leveza, humor e poesia. A inserção desses elementos vem através da rede de apoio gerada ao redor de Clara, seja pela amiga de academia, Paula (Carla Cristina Cardoso), ou a vendedora da feirinha, Dircinha (Fabiana Karla), com quem divide o mesmo drama, ou ainda pela retomada de laços com a sua mãe Leda. Aqui abro um parênteses para exaltar o belo trabalho de Marieta Severo, responsável por quase todo o alívio cômico dessa engrenagem, que ainda que traga humor para essa odisseia vivida por Clara, tem uma habilidade ímpar em acrescentar sensibilidade o suficiente para que o filme não penda para a canastrice.
“Câncer com Ascendente em Virgem”, depois de passar pelo Festival do Rio, tem tudo para se tornar um grande sucesso no circuito. Além de tratar temas relevantes, como sororidade e a renovação de esperança em tempos de adversidade, o filme tem o poder de condensar todas as discussões que abraça e entregar ao público um trabalho leve, divertido e o principal, com simplicidade e fluidez. Fórmulas prontas muitas vezem podem servir para um maior alcance da mensagem, e aqui Svartman mostra que não se deixa usar pelos clichês, mas os coloca à seu serviço. “Câncer com Ascendente em Virgem” emociona sem apelos sensacionalistas, cria conexão e aproxima o público dos personagens, todos construídos de um modo tão genuíno, que fica difícil até para o coração mais duro resistir.