Especial Invocação do Mal
A saga que transformou o terror de possessão em um fenômeno bilionário

Antes de se tornar referência no terror sobrenatural, James Wan chamou atenção com “Jogos Mortais” (2004), um enorme sucesso de crítica e público em que a brutalidade estilizada e o jogo macabro de escolhas morais o apresentaram como a potencial nova cara do horror contemporâneo. Em “Sobrenatural” (2010) e, mais tarde, em “Invocação do Mal” (2013), o diretor abandonou a lógica do corpo mutilado para se dedicar ao espaço assombrado, transformando corredores e quartos em dispositivos de suspense e mistério. O que em outros poderia soar como repetição de fórmulas, com crucifixos invertidos, brinquedos possuídos e canções infantis perturbadoras, Wan torna tudo um exercício de encenação rigorosa. É nesse equilíbrio entre disciplina formal e imaginação lúdica que ele se firmou entre os grandes nomes do terror neste século, reativando o repertório setentista do cinema de possessão e o devolvendo ao grande público com energia renovada.
O primeiro “Invocação do Mal” funciona como síntese do método de Wan, que prefere prolongar a expectativa em vez de entregar o choque imediato. A cena do esconde-esconde de palmas é exemplar, porque o som orienta o olhar e o que assusta nasce do que fica fora de quadro. A casa é filmada com maestria, a câmera percorre corredores e portas como quem mapeia uma geografia do medo, e os sustos aparecem quando o espaço já se tornou ameaça. Em “Invocação do Mal 2”, ele amplia a escala sem perder o controle do ritmo. O caso do fantasma de Enfield, em Londres, oferece outra textura de cenário, e a família Hodgson ganha densidade emocional à medida que suas fragilidades sociais e afetivas se tornam parte do conflito. O vínculo entre Ed e Lorraine assume o centro da narrativa, permitindo momentos de ternura que não reduzem a tensão, mas a tornam mais humana. A introdução de Valak, a freira demoníaca que assombra Lorraine, demonstra senso de iconografia e timing, convertendo o sagrado em pavor por meio de aparições graduais e de um avanço frontal que fixa a imagem no imaginário coletivo.
Com “Invocação do Mal 3”, a franquia enfrentou a primeira ruptura estética importante. James Wan permaneceu como produtor, mas deixou a direção para Michael Chaves, o que significou abrir mão da marca estilística que havia dado coesão aos dois primeiros capítulos. A mudança se reflete no tom: Chaves aposta em uma narrativa que combina investigação policial, tribunal e ocultismo, deslocando a ação para além da casa mal-assombrada. O prólogo com um exorcismo anuncia intensidade, mas o restante do filme recorre mais a aparições repentinas e pistas de enredo do que ao trabalho minucioso de atmosfera que caracterizava Wan. O carisma de Vera Farmiga e Patrick Wilson sustenta o núcleo emocional, mesmo assim a direção carece do refinamento que distinguia os antecessores.
A trilogia devolveu o protagonismo ao terror de possessão em um período em que o gênero era dominado pelo “found footage” e pelo “torture porn”. Títulos como “Atividade Paranormal”, “Jogos Mortais” e “O Albergue” haviam marcado os anos anteriores, mas já mostravam sinais de desgaste quando “Invocação do Mal” estreou em 2013. O filme de James Wan soou como retorno ao terror clássico de atmosfera, comparado por críticos a “O Exorcista” e “Horror em Amityville”. O impacto imediato se refletiu em bilheterias milionárias e no nascimento de um universo expandido que se tornou o mais rentável do gênero. As imagens mais emblemáticas se desprenderam da narrativa e ganharam vida própria: Annabelle, que surge brevemente no primeiro longa, tornou-se a figura mais icônica e protagonista de derivados; Valak, introduzida no segundo, ganhou dois filmes solos que, apesar de criticados pela fragilidade narrativa, obtiveram bom desempenho comercial. Com mais de dois bilhões de dólares em arrecadação, o chamado “Invocaverso” deixou de ser apenas uma série de filmes e transformou-se em marca cultural.
Com Michael Chaves retornando à frente da direção, “Invocação do Mal 4: O Último Ritual” carrega a sugestão de fechamento da trajetória de Ed e Lorraine. Ambientado nos anos 80, o novo capítulo deve colocar a intimidade do casal mais uma vez no centro, possivelmente explorando a herança espiritual de sua filha Judy.
A trilogia já se impôs como um triunfo do terror popular. Vera Farmiga e Patrick Wilson transformaram Ed e Lorraine em personagens de afeto raro no gênero, oferecendo ao espectador uma âncora emocional em meio ao terror. “Invocação do Mal 4: O Último Ritual” chega como chance de coroação. Resta saber se Michael Chaves conseguirá recuperar a nitidez espacial, o ritmo paciente dos enquadramentos e a delicadeza dos vínculos emocionais que mantiveram os dois primeiros no topo. A porta segue entreaberta, e é disso que o terror vive.