“Ervas Secas”: Em meio ao deserto gelado, longa nos leva numa viagem até as profundezas da alma humana | 2024
O cinema é uma arte que se enriquece pela interação entre imagens e palavras, formando uma poesia singular. Em “Ervas Secas”, essa dinâmica é hábil e estabelecida desde a primeira cena. Situado em uma remota região da Turquia, onde o clima extremamente hostil cria um deserto gelado, a beleza austera da paisagem contrasta com a opressão que ela impõe aos seres vivos. Nos ambientes internos, escassamente iluminados e de infraestrutura precária, a sensação de claustrofobia é palpável. Essa mesma atmosfera sufocante transparece nas pessoas, cuja aparência fria esconde um profundo cansaço e desesperança.
Na trama, acompanhamos Samet (Deniz Celiloglu), um professor de arte concluindo seu último ano de serviço obrigatório em um vilarejo remoto da Turquia. Quando uma denúncia desencadeada pela descoberta de uma inadequada carta ameaça virar sua vida de cabeça para baixo, Samet é levado a uma imersão psicológica profunda sobre seu papel naquela comunidade e suas perspectivas para o futuro.
O filme, apesar de altamente contemplativo, fundamenta sua narrativa em longas sequências de diálogos, concentradas principalmente no ato de sentar-se à mesa. A câmera, por vezes estática, nos coloca como testemunhas oculares dos eventos, enquanto em outras ocasiões adota o tradicional plano e contra plano, criando dinamismo e intimidade. A alternância entre essas técnicas é consciente, estabelecendo quebras no padrão formal que mantêm o ritmo em suas mais de 3 horas de duração, tornando nosso envolvimento menos linear.
As atuações são marcadas pela sobriedade, com o filme rejeitando qualquer tipo de exagero. Mesmo em momentos reativos, as ações são polidas, evitando variações abruptas no tom. Esse padrão se estende às performances femininas: Sevim (Ece Bagci), central em um dos principais conflitos, reage com apatia ou, no máximo, uma lágrima discreta. Já Nuray (Merve Dizdar), introduzida posteriormente, exibe um temperamento diferente. Com histórico de ativismo político, ela é uma vítima da violência do estado, tendo perdido uma perna em um confronto com a polícia. Esse incidente não abalou suas convicções, porém retirou muito de sua esperança pelo futuro melhor que tanto idealizou.
Por fim, Samet revela em sua personalidade um aspecto mais disruptivo. Apesar das relações ao seu redor parecerem afetuosas, tanto com sua aluna Sayim quanto com seu amigo Kenan (interpretado por Musab Ekici), o desenrolar da trama revela um homem com mais nuances e sombras, cujas ambiguidades criam barreiras para o envolvimento emocional a cada acontecimento. Isso resulta em um certo recuo nas relações que inicialmente pareciam próximas, inclusive com o nosso próprio envolvimento enquanto espectadores.
Dirigido pelo renomado cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, “Ervas Secas” estreou no Festival de Cannes 2023. Com planos longos e diálogos densos, o filme exige fôlego. No entanto, em meio à aparente verborragia banal, emerge um teor poético e filosófico que instiga a reflexão. Para aqueles dispostos a embarcar nesta jornada, o trajeto é longo e o caminho tortuoso, mas a recompensa está no destino, tão rico quanto gratificante.