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“E a Festa Continua!”: Cinema autoral de Guédiguian explora drama familiar realista em bairro efervescente de Marseille | 2024

Às 09h da manhã de 5 de novembro de 2018, dois prédios em Marseille (França) colapsaram matando 8 pessoas. Este evento trágico e real funciona como ignição para o enredo de “E a Festa Continua!” do diretor francês Robert Guédiguian, de filmes badalados no circuito cult como “As neves do Kilimandjaro” (2011) e “Uma Casa à Beira do Mar” (2017). O cineasta é originalmente de Marseille e filma a dinâmica da cidade de modo a alavancar elementos como o busto do poeta grego Homero localizado na Rua d’Aubagne, aonde ocorreu a queda dos prédios, como forma de adicionar conexões simbólicas na vida dos personagens de origem armênia da história.

Como pilar central do roteiro, temos o foco na matriarca sexagenária de uma família, Rosa (Ariane Ascaride), uma enfermeira que possui aspirações políticas em sua comunidade e concilia um momento de estagnação pessoal e profissional. Ela coordena sua vida com seus dois filhos: Minas (Grégoire Leprince-Ringuet) e Sarkis (Robinson Stévenin). Sarkis está completamente apaixonado pela professora de Coral de imigrantes, Alice (Lola Naymark), e tem constante desejo de casar com ela e ter o máximo número de filhos possíveis para honrar e dar continuidade à descendência armênia, até como resposta ao genocídio armênio no início do século XX. Uma série de rachaduras externas ameaçam fragmentar a família, que tal qual um prédio com danos estruturais, passa a se ver envolta em dramas familiares que refletem a honestidade realista de Guédiguian de contar belíssimas histórias reais.

Numa cena despretensiosa em que Sarkis leva sua mãe para assistir a uma das apresentações do coral de Alice, Rosa acaba conhecendo o pai desta, o aposentado e melancólico Henri (Jean-Pierre Darroussin), e uma relação sensível de admiração e romance se desdobra a partir dali. Todo o contexto destas relações familiares é desenvolvido com comentários político ideológicos e inclusive se faz um belo trabalho de abordagem do etarismo traduzido no personagem de Ariane Ascaride, que também é a esposa do diretor. Ela é a melhor coisa do filme e levanta questões pertinentes como o suposto preconceito em relação ao limite de idade para exercer um cargo de liderança política ou até mesmo para gozar de sua sexualidade sem nenhum tabu.

A sintonia do elenco também salta aos olhos, já que o diretor tem uma tendência de trabalhar sempre com seu grupo seleto de artistas do cinema francês filme após filme.

As linhas narrativas de Rosa e Henri, bem como de Alice e Sarkis são de longe os eixos estruturais do filme, que se perde ao querer abraçar histórias periféricas da família como a subtrama do outro irmão Minas com sua esposa e do tio dos meninos, Tonio (Gérard Meylan). Esta fuga do cerne principal da trama enfraquece a obra como um todo, deixando-a muitas vezes arrastada e sem fôlego para o enredo avançar.

Apesar de um ou outro deslize, “E a Festa Continua!” reforça o cinema autoral de Guédiguian, impresso em seus diálogos, na forma como filma e explora as ruas e bairros de Marseille, bem como as agruras da classe trabalhadora naquele microcosmo tratado com a lente realista de sua câmera.

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

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