“Dying – A Última Sinfonia”: Retrato disfuncional de uma família alemã, longa levou prêmio de melhor roteiro em Berlim | 2024
“Dying – A Última Sinfonia” não é o típico drama familiar que você assiste regularmente nos streamings ou nas salas de cinema, mas sim um contundente relato sobre uma família à beira do precipício. A história se inicia sob o ponto de vista de Lissy Lunies (Corinna Harfouch), uma dona de casa idosa com dificuldade de locomoção que cuida sozinha de seu marido com Parkinson, Gerd Lunies (Hans-Uwe Bauer). A doença de Gerd está avançada e ele insiste em fugir de casa nu, causando transtornos na vizinhança. Lissy também enfrenta problemas de saúde graves em decorrência da diabetes e se comunica vez ou outra com seu filho Tom Lunies (Lars Eidinger) e sua filha Ellen Lunies (Lilith Stangenberg).
Se o cenário dramático em que Lissy e Gerd vivem no final de suas vidas já choca o público pela crueza e realismo em que são retratados pela obra, é de se espantar que os contextos dos filhos sejam ainda mais disfuncionais do que os de seus genitores. Tom é um maestro com um prestígio relativo e vive uma relação complexa com sua ex-namorada, Liv (Anna Bederke), elemento que traz uma série de desgastes em sua vida, já que ele decide assumir uma co-paternidade do filho recém-nascido de sua ex com outro rapaz e ao mesmo tempo manter um relacionamento sexual com Ronja (Saskia Rosendahl), sua assistente. Além disso, ele coordena uma parceria profissional com um compositor chamado Bernard (Robert Gwisdek), que também é seu melhor amigo e sofre de depressão com tendências suicidas. Já sua irmã Ellen é uma auxiliar de odontologia e alcoólatra que mantém um relacionamento com seu colega de trabalho casado.
A perspectiva de cada uma dessas personagens é explorada em 5 capítulos, que permitem que o público mergulhe no cotidiano da família Lunies, numa descida ao calvário pessoal de cada um deles. O diretor e roteirista Matthias Glasner não propicia refresco ou consolo, o público fica sempre na expectativa de que alguma catástrofe ocorrerá à medida que o enredo avança nos seus 180 minutos de duração. Os diálogos também são ácidos e cheios de ressentimento, em especial uma longa conversa em que Tom decide confrontar sua mãe por mágoas do passado, uma das cenas mais impactantes que vi este ano no cinema. É a chance que a estupenda atriz Corinna Harfouch tem para explorar o lado mais vil que uma mãe poderia ter com um filho em frangalhos emocionais.
Em determinado momento do filme, o foco se concentra na montanha-russa que é a vida de Ellen. Além de passar todas as suas cenas praticamente alcoolizada, a personagem parece ter uma aversão ao afeto, já que após manter relações sexuais com seu colega dentista Sebastian (Ronald Zehrfeld), acorda inexplicavelmente empolada e deformada por uma alergia severa. Em outro momento em que Sebastian a leva para prestigiar um dos concertos de seu irmão, ela tem uma crise de vômito. É como se a falta de afeto ou do toque nas criações de Tom e Ellen tivesse causado efeitos colaterais que refletem em suas vidas adultas autodestrutivas.
“Dying” apresenta um trabalho de elenco magistral, já que cada uma das personagens tem a oportunidade de explorar com afinco cada diálogo e cena estrategicamente costurada no roteiro de Glasner. Outro importante recurso utilizado no longa é a música, dando importante destaque para algumas canções melancólicas do cantor e compositor inglês Bill Fay, como “Garden Song” e “Jesus, Etc.”
O filme sem duvida alguma aborda a finitude da vida e o processo de envelhecer quando se é desprovido das ferramentas emocionais que a vida não deu. Em certo momento, um personagem afirma na trama que nem todos nasceram com o talento de ser feliz, e definitivamente a família Lunies carece deste talento. “Dying” é um dos filmes mais dilacerantes do ano.