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“Duna: Parte 2”: Filme abraça o caos mundano para retratar a apoteose de Paul Atreides | 2024

Vida longa aos guerreiros

Existe um argumento popular – não muito comentado nos tempos atuais, mas quase uma máxima pública nos anos noventa – que dita que três assuntos não se discutem. São eles política, religião e futebol. “Duna: Parte Dois” desconhece esses conselhos e os ignora completamente (inclusive futebol, isto é, se você encarar o campo da partida como um campo de batalha, assim como com o xadrez). A diferença é que não são apenas dois times em campo, mas sim vários pelos quais é possível torcer – e se encaminhando para uma inevitável guerra enquanto política e religião se confundem e se degladiam em uma incessante corrida pelo poder.

A abordagem do diretor Denis Villeneuve para os desarranjos socioeconômicos do universo criado por Frank Herbert é digna de ser aplaudida de pé. Na crítica do primeiro filme, em 2021, enfatizei o quão difícil era encontrar um tom preciso para adaptar a complexidade dos tantos enredamentos de Arrakis e transpô-los para a mídia audiovisual, e exaltei o êxito da produção em conseguir, efetivamente, estabelecer os conflitos das casas Atreides e Harkonnen na sombra do Imperador Padishah com uma simplicidade acessível e objetiva. Neste novo filme, contudo, a régua (tanto de qualidade técnica quanto de enfoque narrativo) é elevada para um patamar muito superior e entrega um jornada apoteótica de vingança e libertação dessas que perduram por décadas na indústria e se tornam referenciais para o gênero ao qual pertencem.

A trajetória de Paul Atreides para se tornar o Muad’Dib é uma odisseia heroica messiânica repleta de simbolismos e críticas não só ao mundo que temos hoje como também ao que já tínhamos na ocasião do lançamento do livro, em 1965. No entanto, mesmo apesar de tratar uma parábola à inclinação atemporal ao totalitarismo e/ou ao imperialismo, alguns conceitos necessitam ser atualizados – e Villeneuve o faz com uma aptidão ímpar que mescla o espírito de fã com o caráter visionário de um exímio cineasta, e para isso recorre a alguns estereótipos em lugar da fidelidade estética de alguns personagens (como o sádico Freyd-Rautha, interpretado com uma selvageria arrebatadora por Austin Butler).

A caracterização com ares sociopatas de todo o elenco Harkonnen imprime uma presença de cena imponente e intimidadora mesmo sem ser como a descrita na obra original. A mescla dos trabalhos técnicos (maquiagem, fotografia, design de produção, figurino) com as atuações brilhantes de um elenco gigantesco e muito bem escalado fazem desses dois primeiros episódios cinematográficos de “Duna” um dos maiores acertos entre as adaptações literárias recentes, e são uma aula completa de como manter a aura do material base sem necessariamente segui-lo linha por linha.

Timothée Chalamet com seu Paul Atreides entrega aqui a melhor performance de sua carreira, e a relação com Chani (vivida por Zendaya) é tão organicamente crível quanto sensível. O debate que a trama levanta em torno da idolatria fundamentalista acerca de uma velha profecia das Bene Gesserit leva Lady Jessica (Rebecca Ferguson), mãe de Paul, a uma elevação astral que faz a personagem navegar por posições bem distintas no decorrer das quase três horas de exibição. Todos os personagens possuem camadas e motivações bem definidas e estabelecidas, e mesmo assim o filme será surpreendente para quem não conhece a fundo a mitologia dos livros de Herbert.

Tomando alguns atalhos narrativos e optando por desmistificar o Messias de Duna em seu caminho para adaptar o livro homônimo (que é a sequência do livro que originou esses dois primeiros filmes), “Duna: Parte Dois” é um evento arrebatador que merece ser visto na maior tela possível. Aos fãs, um acalento ao coração – mesmo com o conceito de “adaptação” se fazendo valer em várias escolhas criativas. Para os espectadores que só viram o primeiro filme, um espetáculo esplendoroso de magnitudes épicas que se conclui com um gostinho de quero mais que só as melhores sagas conseguem imprimir.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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