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“Crônicas do Irã”: Longa reúne nove histórias que apontam para o autoritarismo do Estado iraniano | 2024

Na segunda metade da década de 1990, quando eu era ainda um adolescente aprendendo a geografia do cinema mundial, muitas produções iranianas despontavam como algumas das mais relevantes do mundo naquele momento. Contudo, nunca foi fácil produzir filmes no Irã. Sejam nomes já icônicos como os de Mohsen Makhmalbaf e Abbas Kiarostami, sejam os hoje cultuados Asghar Fahadi e Jafar Panahi, inúmeros são os realizadores que precisaram lidar com a castração artística e com o sufocamento de qualquer crítica que, por ventura, viessem a fazer contra o regime islâmico do país. Não raro, boa parte deles precisava se exilar em território estrangeiro temendo a prisão ou castigos físicos.

Recentemente, chamou a atenção o caso envolvendo o diretor Saeed Roustaee e o produtor Javad Noruzbegi, que foram condenados a seis meses de detenção por terem apresentado o longa “Leila´s Brother”, no Festival de Cannes em 2022. E, se para artistas, que geralmente fazem parte de uma elite econômica e possuem alguma visibilidade, é bastante complicado viver sob a égide de um governo que coloca a religião como pretexto para o seu autoritarismo, o que dizer do cidadão comum? É justamente esse o prisma trazido por “Crônicas do Irã”, longa que aportou em nossas salas de exibição na última quinta-feira.

Compilando nove cenas que envolvem dilemas que colocam homens e mulheres das mais diferentes idades frente a frente com a mão do governo iraniano, o longa dirigido por Ali Asgari e Alireza Khatami discute abertamente a dificuldade de se manter qualquer individualidade quando o Estado, sem deixar de eleger seus privilegiados, é estruturalmente alicerçado sobre arbitrariedades. Não faltam situações que representam os absurdos diários vividos por integrantes de uma população acuada entre as naturais influências estrangeiras em tempos de globalização – repare na reiterada menção ao personagem Mickey Mouse – e medidas extremas de protecionismo. Da proibição da escolha de um nome para um filho, passando por punições pelo uso de tintura no cabelo ou devido a quedas acidentais do lenço usado por mulheres, até tatuagens que impedem a renovação da licença de motorista, a sensação de aprisionamento só aumenta à medida que as histórias se acumulam.

Por um lado, muito do incômodo é transmitido ao espectador por conta das opções estéticas tomadas pela dupla de diretores, que colocam em todas as crônicas, com diminutas variações de angulação, uma câmera estática, de frente para a figura oprimida da vez, que fica encaixotada em plano fechado e com razão de aspecto que estreita a tela, interagindo com seu interlocutor localizado sempre no extracampo, numa alusão ao poder invisível do sistema opressor; já por outro, tais procedimentos acabam se repetindo de forma tão equivalente que, aos poucos, o interesse por cada novo caso de abuso vai se arrefecendo, o que inevitavelmente diminui o impacto da crítica lançada pela obra.

“Crônicas do Irã” é corajoso na intenção de apontar para os abusos cometidos pelo governo iraniano. No entanto, a importância de sua mensagem não apaga o esquematismo de uma narrativa que dilui o nosso interesse ao se mostrar fiel demais à monotonia visual que, ao invés de dar protagonismo à denúncia, não atinge outro resultado senão a dispersão.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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