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“Contra o Mundo”: Irreverente e alucinado, filme é um ousado (e necessário) pé atrás no cinema de ação | 2024

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O cinema de ação (vulgo “porradaria franca”) muda de acordo com as tendências. Já vimos franquias como as de Jason Bourne e John Wick, personagens hoje emblemáticos da cultura pop, se tornarem referência e serem replicadas em diversos filmes que tentam surfar na onda que elas levantam. Contudo, em decorrência às mutações da indústria, algumas vertentes acabam se perdendo ou no mínimo ficando esquecidas – é o caso de um “cinema brucutu” que há muito foi tirado de seu espaço de direito, ficando fadado a filmes de baixo orçamento e qualidade duvidosa.

E com uma puxada de fôlego generosa, como quem há muito não respirava, eis que surge “Contra o Mundo”, que revigora o cinema brucutu com uma releitura aos nossos tempos (onde o brucutu não é um cara sisudo como o Machete de Danny Trejo em seu filme homônimo) enquanto explora com mais dinamismo suas questões interiores e seus traumas motivacionais. É nessa abordagem que reside o maior sucesso do filme, fator que o diferencia de tantos outros que tentam fazer algo efetivamente novo. Enquanto o recém lançado “O Dublê” usa a metalinguagem como escopo narrativo, “Contra o Mundo” usa, de igual maneira, a perspectiva para estabelecer a própria identidade.
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Bill Skarsgård interpreta um homem-arma movido pela sede de vingança contra a dinastia Van Der Koy, que ceifou sua família. Após ser torturado, ter seus tímpanos perfurados e queimados e sua língua arrancada na infância, o jovem guerreiro cresce e se ergue (com a ajuda de um xamã e altas doses de entorpecentes) contra as opressões de um sistema rígido de dominação populacional que é feito através de um massacre periódico chamado O Abate. E como o personagem não fala e nem escuta, a percepção de mundo que acompanhamos no filme abraça algumas dessas limitações enquanto parte das dificuldades impostas à ele são postas para o público também – o que rende cenas hilárias de confusões em leitura labial.
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Para acompanharmos seus pensamentos e reminiscências, ouvimos a voz que o protagonista adotou para si antes da deficiência imputada: a voz do narrador do fliperama onde ia com a irmã antes da morte que deu início ao seu treinamento. Essa abordagem é uma maneira ousada de trabalhar um filme de ação, algo que facilmente poderia cair no estranhamento da incompreensão se não fosse pelo talento de Skarsgård em fazer caras e bocas com toda a sua qualidade expressiva e uma ótima equipe de edição para imprimir o tempo certo de cada tomada. Em meio a alucinações e absurdos, o filme cresce de um sério entretenimento adulto contra a opressão (como “Dredd” o foi em 2012) para uma comédia de erros sanguinolenta e visceral.
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Existe um quê contraintuitivo de Frank Miller permeando o filme; e digo “contraintuitivo” porque tem uma dúzia de elementos típicos de Frank Miller e, ao mesmo tempo, não se parece com algo que Miller faria – pela superficialidade, talvez, mesmo embora haja uma similaridade no tom sórdido e no humor cínico no retrato apresentado aqui. O jogo de perspectiva é o grande trunfo da obra, uma vez que, enquanto a violência faz valer a censura para maiores, também somos apresentados ao contraste da inocência enquanto o fantasma de sua irmã fica circulando pela sua imaginação e invadindo a realidade ao seu redor.
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As irreverências propostas pelo diretor Moritz Mohr, acompanhada de boas coreografias de luta e jogos de câmera conscientemente confusos, tiram “Contra o Mundo” de um lugar comum e o elevam a um patamar que pode não ser do agrado de todos, mas é no mínimo memorável – e ser memorável em uma época de tantos filmes esquecíveis já é um feito e tanto. É um filme violento, desequilibrado e tão esquizofrênico quanto seu personagem principal, e isso é muito bom. É um retrocesso, no melhor sentido que a palavra tem – se é que existe algum. Em todo caso, precisamos de mais filmes ousados como esse.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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