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“Continente”: De discurso forte e abordagem contida, longa explora os conflitos do Brasil rural | 2024

O filme “Desejo e Obsessão” (Trouble Every Day), dirigido por Claire Denis em 2001, é uma obra visceral que explora a violência e a atração carnal, criando uma narrativa marcada por uma beleza peculiar ao revelar a natureza destrutiva dos sentidos e das pulsões. Considerado um dos melhores trabalhos da cineasta, o filme teve repercussão majoritariamente positiva, frequentemente associada à abordagem contemplativa e quase poética com que Denis trata o horror. As cenas de intimidade são capturadas com a mesma sutileza que as cenas de morte, evidenciando como cada ato se torna uma experiência de consumo e destruição mútua, no sentido mais literal possível. Em “Continente” as inspirações são evidentes, mas a obra opta por usá-las para refletir sobre questões sociais específicas do Brasil rural, herdeiro de um passado colonial cujas práticas ainda se ancoram em um modelo de produção parasitário.

Na trama, acompanhamos Amanda (Olívia Torres), que, em virtude da fragilidade da saúde do pai, retorna ao Brasil acompanhada do namorado, Martin (Corentin Fila), após anos vivendo no exterior. Eles chegam à vasta fazenda da família, situada em um vilarejo remoto nas extensas planícies do sul. Ao reencontrar sua antiga casa, Amanda percebe uma crescente tensão entre os trabalhadores da propriedade, mergulhando em uma atmosfera de conflitos e mistérios latentes.

A inspiração no filme “Desejo e Obsessão” se manifesta até mesmo no material promocional, em que uma mulher aparece coberta de sangue, principalmente ao redor da boca, sugerindo que ela se alimentou de algo vivo. No entanto, essas influências são, em grande parte, puramente estéticas. “Continente” consegue estabelecer sua própria identidade e encontra no formato uma oportunidade de inserir um discurso novo. Ainda assim, o longa de Davi Pretto é mais contido: após um longo ensaio no decorrer do filme, ele hesita em se entregar ao horror com a intensidade esperada. A ameaça, ou o “inimigo” apontado pela narrativa, acaba por habitar mais o discurso do que efetivamente a tela.

Outro sinal de hesitação em “Continente” é o tratamento da sexualidade. Assim como em muitos filmes contemporâneos, há uma contenção excessiva, e o projeto acaba mais comedido do que deveria. Embora o discurso sugira uma carga sexual, essa tensão raramente se concretiza visualmente e, quando o faz, é de forma tímida, breve e pouco verossímil. O elenco entrega boas atuações, mas acaba limitado pela direção, que parece manter o filme sempre com o freio de mão puxado.

A atmosfera é um de seus pontos fortes, com enquadramentos fechados, excelente uso de sombras em ambientes internos e uma sensação de clausura que se mantém até nos vastos cenários externos. É um filme repleto de boas ideias e que tem muito a comunicar. Na maior parte do tempo, realmente articula suas intenções, mas o faz com uma civilidade que não condiz com a brutalidade da temática. Mesmo nos momentos em que opta pelo visceral, o filme entrega cenas que, para o público atual, acabam soando banais. Ao fim, a sensação é como a de gritar debaixo d’água: uma expressão de intensidade abafada, que nunca chega a romper a superfície.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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