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“Bandida – A Número Um”: João Wainer coloca sua digital em disputa do tráfico na Rocinha nos anos 80 | 2024

Todo mundo que nasceu no crime, vingou no crime

É público e notório, a tirar por seus trabalhos, que o cinema que o diretor João Wainer faz se interessa muito pela crítica social ao abordar com traços verossímeis os mais diversos assuntos quando mergulha em um novo projeto. “Junho : O Mês que Abalou o Brasil” (2014) e o recente “Doleira: A História de Nelma Kodama” são documentários sob a alcunha de Wainer que tratam de um comportamento político-social que também é abraçado em projetos como “A Jaula” (2022), thriller estreado por Alexandre Nero e Shay Suede, e no trabalho recém chegado aos cinemas “Bandida – A Número Um”, filme que é baseado no livro “A Número Um” (Casa da Palavra), da escritora Raquel de Oliveira.

A atriz e cantora Maria Bomani estreia nos cinemas como protagonista dessa história real, que oferece um mergulho na violência urbana do Rio de Janeiro nos anos 1980. Narrado em primeira pessoa, o filme acompanha a trajetória de Rebeca, que aos nove anos é vendida pela avó para Amoroso (Milhem Cortaz), um bicheiro que mandava na favela da Rocinha, que fica na Zona Sul da cidade. Ela acompanha de perto a mudança de poder – tomado pelo tráfico, – e se torna mulher do chefe do crime, Pará (Jean Amorim). Depois da morte do marido, ela por fim se torna a chefe da quadrilha que passou a dominar o território.

No meio dessa transição que promove a guerra de poder e a passagem de bastão do Jogo de Bicho para o Tráfico, a trama apresenta essa personagem da vida real e seu processo de transformação  que passa pelo abandono e segue em passos fáceis e largos até a criminalidade. Wainer, no miolo de todo esse processo, humaniza sua personagem a ponto de nos fazer entender seus medos e dúvidas ao ter que se encaixar naquele formato novo de vida. Escolha ou destino? Essa pergunta é recorrente na projeção, já que o roteiro expõe as vísceras de um poder público ineficiente e uma polícia que contribui com a corrupção, sobretudo em comunidades carentes, cuja falta de oportunidades são ainda mais segregadoras e deixam um rastro de violência e crime a níveis quase que irreversíveis.

Enquanto cinema, “Bandida – A Número Um” é impecavelmente bem cuidado. A fotografia, para imprimir uma pegada bem realista, lança mão de alguns frames que remetem ao documentário. Já o protagonismo de Maria Bomani corresponde às expectativas, que ao assumir também a narração dialoga com o expectador de modo a também transmitir as tensões e motivações da personagem. Bomani, ainda que estreante, cumpre a árdua tarefa com louvor.

O longa entre tantos bons atributos, tem a irrepreensível assinatura de seu realizador: João Wainer usa de toda sua bagagem e promove entretenimento e debate na mesma medida. Narra essa história real sem didatismos chatos, traz elementos do thriller que culmina num clímax com altas doses de violência, para então fechar com uma conclusão que estamos cansados de saber, mas que ainda surtem efeito no grande ecrã: que o crime não compensa e que infelizmente estamos à nossa própria sorte. Fugir do mundo do crime em ambientes de pouca oportunidade é uma tarefa hercúlea no meio de tanta mazela social. O roteiro de Wainer e Patrícia Andrade é afiado e nos confronta a pensar a respeito. Mais uma vez a função social do cinema é colocada na mesa. Mil vivas por isso.

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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