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“Bailarina – Do Universo de John Wick”: com Ana de Armas explodindo tudo, filme faz pelo cinema exatamente o que ele mais precisa | 2025

Uma bala, no lugar certo, pode mudar o mundo

Uma das maiores críticas que tenho feito a Hollywood nesses últimos anos é a falta de criatividade em criar personagens cativantes e dar a eles boas tramas. A indústria tem optado por reciclar ideias acrescentando pautas do momento, e com isso rende polêmicas como alterações de gênero, etnia e até mesmo de propósito e mensagem. Aos poucos vão surgindo artistas que também se atentam a esse problema e demonstram insatisfação em adentrar projetos que são meros produtos requentados com um tempero diferente, numa tentativa desesperada de defender que é um prato novo. Jenna Ortega foi uma das celebridades que recentemente se mostrou contrária a essa onda, quando questionada se faria uma versão feminina de “Edward Mãos de Tesoura” (1990). Muito também foi especulado sobre transformar James Bond em mulher, e os fãs logo se mostraram avessos à iniciativa. A verdade é que o público está carente de histórias novas, e por isso rejeita personagens transacionados só para simular inovação.

É no meio dessa tempestade ideológica (e comercial) que surge “Bailarina”, do mesmo universo do já consagrado personagem masculino John Wick, para mostrar que não é preciso transformar John em Joan para fazer um filme de ação ao mesmo estilo que tenha como protagonista uma mulher e seja interessante a todos os gêneros e bem feito em seus quesitos técnicos. Claro, o derivado se apoia em dados momentos àquilo que já está estabelecido, como o apelo à presença do próprio John Wick, para se situar na temporalidade da franquia e demarcar o próprio território. Eve Macarro, interpretada por uma dedicada Ana de Armas, é uma personagem tão interessante quanto o protagonista da franquia original, vivido por Keanu Reeves. Obviamente não há aqui o mesmo impacto que o primeiro filme surtiu em 2014, quando vimos o homem enlutado aparentemente pacífico ser vítima de roubo e agressões (além de perder seu cachorrinho) e se revelar um assassino amplamente temido no submundo do crime. Aqui não há mistérios grandiosos; em vez disso, vê-se uma ação desenfreada onde Eve (que rende uma ótima analogia à expulsão do Éden) deixa um rastro de sangue por onde passa enquanto se encaminha à sua vingança pessoal.

O balé é usado em poucos momentos, mais como uma marcação faccional do que como instrumento narrativo; ainda assim, é curioso o contraste entre Tchaikovsky e as batidas eletrônicas das baladas onde as tradicionais lutas desse universo costumam acontecer. Há brigas de pratos, colecionamentos de facas, e também muitos tiros, porradas e bombas. Muitas bombas. Algumas das mortes mais graficamente violentas de toda a franquia estão aqui nesse novo filme. Com a violência que já se esperava, retornaram também cenários e personagens conhecidos, dos quais destaco Charon, o recepcionista do Continental de Nova York, interpretado pelo sempre excelente Lance Reddick – ator que faleceu antes do lançamento de “John Wick 4: Baba Yaga” (2023) e que, aqui, faz sua última participação como o fiel escudeiro de Winston (Ian McShane). Se retornará à franquia novamente através do uso de cenas deletadas, só o futuro dirá. Ver sua elegante presença em tela novamente foi um afago e tanto aos fãs, e mais um dentre os tantos acertos do filme. “Bailarina” não desvia o protagonismo de Eve, e apesar da presença pontual de John, é sua jornada a que realmente importa e que se mantém como o fio condutor da trama.

“Bailarina” é um ótimo exemplar daquilo que o cinema precisa entender: criar personagens novos para ampliar as representatividades funciona muito mais do que só colocar variedades étnicas e de gênero de qualquer jeito na tela só para fingir progressismo e lucrar em cima da ideologia. Eve é graciosa, interessante, e principalmente bem escrita, atuada e desenvolvida. Mal posso esperar para reencontrá-la em um próximo filme! É assim que se faz filmes com “personagens femininas fortes” (termo que para muitas atrizes é tão pejorativo quanto ofensivo).

Assim sendo, reformulo dizendo: é assim que se faz filmes com personagens com quem o público se importe. “Branca de Neve” se esforçou muito para comunicar o que “Bailarina” fez em um passeio, com as mãos para trás. O trágico live-action da Disney precisa comer muito feijão para chegar no nível efetivo de mensagem que “Bailarina” alcançou. Boas histórias não precisam de discursos, precisam de desenvolvimento – e isso, nesse filme, é uma verdadeira aula para a indústria. Que esse longa seja a tal bala no lugar certo e que sirva de exemplo para que a diversidade badass ascenda logo de vez. Quero ver sequências disso, e filmes com mulheres tão interessantes quanto a Arlequina em “Aves de Rapina” (2020) e Furiosa em “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015), que só sejam incríveis sem precisar verbalizar que são.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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