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“Babygirl”: Atuação brilhante de Nicole Kidman conduz trama sobre desejos ocultos e conflitos de poder | 2025

O desejo virou tabu? A resposta curta é sim, mas a questão é mais complexa do que parece. Para começar, é essencial contextualizar nossos tempos. A liberdade sexual não começou nos anos 1960; olhando para o passado, encontramos períodos em que expressões variadas de sexualidade foram mais aceitas. A Alemanha dos anos 1920, por exemplo, simbolizou um avanço nesse sentido. Já na década seguinte, esse progresso foi bruscamente interrompido com a ascensão de grupos extremistas, como bem sabemos. Hoje, após diversos avanços sociais no começo do século, esse movimento se repete. Filmes como “Querelle” (1982), de Fassbinder, dificilmente teriam o mesmo apelo comercial atualmente. Talvez por isso, obras que confrontam esse conservadorismo e refletem sobre o desejo causem tanto impacto. Nesse contexto, “Babygirl” se destaca, embora sem a ousadia que poderia alcançar. O filme propõe uma discussão pertinente ao traçar conexões entre o espaço de poder conquistado – ainda que lentamente – pelas mulheres e sexualidade.

A trama acompanha Romy (Nicole Kidman), uma CEO influente cuja vida entra em colapso após um intenso e proibido caso extraconjugal com Samuel (Harris Dickinson), um jovem estagiário. A relação, marcada por uma inversão de dinâmicas de poder, desencadeia eventos que ameaçam sua carreira e a estabilidade familiar.

Nicole Kidman, certa vez, afirmou em entrevista que Gena Rowlands é uma de suas maiores inspirações, considerando “Uma Mulher Sob Influência” (1974), de John Cassavetes, o melhor trabalho da atriz e o seu favorito da vida. Essa admiração é perceptível em sua atuação como Romy, que carrega ecos da complexa Mabel, interpretada por Rowlands. Ambas desafiam as normas sociais de suas épocas e enfrentam os impactos psicológicos dessa resistência. No entanto, enquanto Mabel vive sua autenticidade de forma visceral, pagando um alto preço, Romy opta pela repressão, imposta por um julgamento severo de si mesma. Mabel era vista como divergente, talvez até insana, mas sua singularidade refletia uma realidade mais comum do que se supunha. Da mesma forma, Romy também lida com desejos considerados “incomuns”, mas os reprime sob o peso das convenções de um casamento tradicional. Sua relação com Samuel é apenas o catalisador de um conflito já latente. A direção de Halina Reijn oferece uma leitura sagaz dessa dualidade. O julgamento não parte da câmera, mas do público. Estaria Romy realmente ultrapassando limites ou seria o espectador, moldado por convenções, o verdadeiro juiz?

As cenas iniciais estabelecem visualmente a posição de Romy na hierarquia corporativa. Contudo, o filme tropeça ao incluir um diálogo expositivo que repete informações já claras. Felizmente, esse deslize não persiste, e a obra adota uma abordagem mais sutil. O roteiro, entretanto, exige maturidade emocional e repertório de vida para ser plenamente apreciado, o que pode limitar seu apelo entre gerações mais jovens. Tratar esse filme como corajoso faz sentido, mas só até a página dois. Há mérito em abordar a temática por uma perspectiva menos convencional, e a protagonista, em momentos de extrema vulnerabilidade, consegue trazer um desconforto na medida. No entanto, as cenas ainda carregam um cuidado evidente: os movimentos são cuidadosamente coreografados, mantendo tudo dentro de uma zona segura — se é que me entende.

A trilha sonora desempenha um papel crucial, indo além de uma função estética. A famosa cena do leite exemplifica isso: a execução de “Lacrimosa”, de Mozart, amplifica a carga emocional ao intensificar a dualidade entre fragilidade e força que define Romy. Nesse instante, sua complexidade atinge o auge: uma parte de si parece morrer, enquanto outra emerge, transformada, sublime. Após esse momento de ruptura, o filme perde força ao negligenciar tramas paralelas. O ambiente profissional de Romy é pouco explorado, com relações que não reforçam o senso de risco. Da mesma forma, as dinâmicas familiares, como sua interação com o marido e a filha, carecem de profundidade. Assim, enquanto o núcleo central brilha, as bordas permanecem na penumbra.

Vencedora do Leão de Ouro em Veneza, Nicole Kidman é, sem dúvida, o grande destaque do filme. Sua atuação eleva a narrativa, justificando qualquer indicação ou premiação. Apesar de alguns momentos irregulares, “Babygirl” é uma obra que, mesmo com falhas, não deixa de ser memorável.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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