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“Avenida Beira-Mar”: Filme tem sensível abordagem do universo de uma criança trans | 2024

Depois de muita expectativa chegava aos cinemas em abril desse ano o delicado “20.000 Espécies de Abelhas”, longa da espanhola Estibaliz Urresola Solaguren. A película aborda com uma sensibilidade ímpar a descoberta da transexualidade em uma criança de 6 anos. Assim como no longa espanhol, “Avenida Beira-Mar”, de Maju de Paiva e Bernardo Florim, que chegou recentemente aos cinemas, segue uma linha muito parecida pelas sutilezas de um roteiro que vai muito além do que somente catequisar a audiência com um tema que ainda segue sendo um tabu intocável para grande parte das pessoas. Esse sensível drama detém muitos debates dentro da mesma história e isso se torna um dos grandes diferenciais do filme que passou pelo Festival do Rio esse ano.

O longa acompanha Rebeca (Milena Pinheiro), que se muda com sua mãe (Andréa Beltrão) para o bairro de Piratininga, na região oceânica de Niterói, após a separação dos pais. Forçada a ficar em casa devido a uma onda de roubos na área, Rebeca vive confinada, com uma visão limitada da vida além do muro, que só consegue se empoleirando num balanço no quintal. Sua solidão é quebrada quando ela conhece Mika (Milena Gerassi), uma menina trans que vive no subúrbio vizinho de Tibay. Mika, que não se identifica com o gênero que lhe foi imposto ao nascer e cujo nome de nascimento é João Pedro, enfrenta a rejeição dos pais e busca afirmar sua identidade através de pequenos delitos e da adaptação das roupas da irmã mais velha que já não mora mais com a família.  A amizade improvável entre Rebeca e Mika traz uma nova perspectiva à vida de ambas, mas também provoca a desaprovação de todos ao redor.

Rebeca nunca havia visto Mika na vida e o primeiro olhar dá conta de que ela está conhecendo uma menina, e não o contrário. A direção escolhe partir desse olhar infantil, que não tem maldade, e assim naturalizar a forma como vemos essa menina trans,  que é exortada pelos pais quando usa as roupas da irmã e vive sendo hostilizada e agredida pelos meninos na escola e na vizinhança. A amizade que desponta entre elas é o fio condutor da história, que situa o debate num lugar onde não cabe convenções e preconceito, onde só cabe o existir e o ser quem se é.

Maju de Paiva e Bernardo Florim tocam em diversos temas e os condensam como se fossem uma coisa única. Essa amalgama de discussões, que, além da transfobia, passa pelo racismo, o amor próprio e até o feminismo, é tão bem moldada que torna esse trabalho uma história gostosa de acompanhar.  Ainda que nos confronte com temas sempre urgentes e nos convide  para  reflexões, a produção não se ocupa em ser panfletária ou militante.  “Avenida Beira-Mar” utiliza muito bem seus 90 min de projeção exalando afeto, empatia e aceitação. Assim como o delicado longa espanhol, o filme de Paiva e Florim além de um grande elenco, que inclui a talentosa Isabel Teixeira, tem personalidade, uma característica rara no meio de tantas empreitadas genéricas que vemos por aí nos dias de hoje.

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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