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“Até Que a Música Pare”: Longa aborda rupturas familiares entre pais e filhos na Serra Gaúcha | 2024

No início de “Até Que a Música Pare” (2023), o público é informado de que parte dos diálogos do filme será em talian, uma língua brasileira criada a partir do contato do português com idiomas dos imigrantes do norte da Itália. Essa mistura de línguas forma uma espécie de dialeto que se encaixa perfeitamente na atmosfera rústica da história de uma família que vive de forma modesta na Serra Gaúcha. A narrativa se inicia com a partida do filho caçula da casa dos pais, Chiara (Cibele Tedesco) e Alfredo (Hugo Lorensatti), representando a última ruptura do elo familiar. A filha já constituiu sua própria família, e o outro filho faleceu em um acidente de carro. A tragédia da perda do filho ainda ecoa na vida da família e, como uma catarse para exorcizar o luto, Chiara passa a suspeitar que a alma do filho tenha migrado para a tartaruga de estimação, Filomena.

A concepção de que a alma do filho falecido tenha ido parar no corpo da tartaruga surge após uma conversa entre Chiara e um conhecido italiano sobre as diferenças entre o budismo e o catolicismo em um churrasco cheio de conflitos de gerações. É a partir desse ponto que o processo de influência do mundo externo em Chiara se inicia. Enquanto seus filhos viviam sob o mesmo teto que ela e seu marido, a protagonista estava “anestesiada” e limitada às tarefas domésticas da família. Ao se deparar com o ócio de ficar em casa enquanto seu marido, Alfredo, percorre as cidades vendendo os mais diversos produtos em seu Del Rei (lixa, baralhos, etc.), Chiara começa a se deparar com uma série de fatos que antes não percebia. Ela se choca com a onda de corrupções políticas no telejornal, se espanta com as tecnologias digitais apresentadas por sua neta e também toma conhecimento sobre a falta de ética de seu marido nos negócios.

A atriz estreante Cibele Tedesco entrega uma atuação excepcional ao levar essa narrativa em suas costas, através de sua composição delicada e ingênua. Ela consegue despertar interesse no público pela saga dessa mulher humilde que redescobre o mundo após a ruptura de seus filhos do seu cotidiano. A atriz foi premiada com um Kikito de Melhor Atriz na Mostra de Longas-Metragens Gaúchos do Festival de Gramado deste ano. As interações de Chiara com seu marido, interpretado por Hugo Lorensatti, também enriquecem a narrativa, conforme ela descobre o pouco que realmente sabe sobre alguém com quem compartilha a vida há décadas.

A direção inspirada é de Cristiane Oliveira, que já havia chamado a atenção com o filme “A Primeira Morte de Joana”, trama que também retrata com sensibilidade e propriedade a rotina familiar de famílias do Rio Grande do Sul. Oliveira também assina o roteiro em parceria com Gustavo Galvão, seu parceiro de longa data na escrita de suas obras. Apesar de ter um olhar perspicaz da realidade local do Sul do país, Cristiane Oliveira às vezes falha no ritmo de suas histórias, reservando longas cenas estáticas e contemplativas que podem se tornar cansativas dependendo da disposição do público.

De maneira geral, o filme apresenta um debate extremamente complexo sobre o processo de envelhecimento no Brasil, as maneiras que os personagens encontram para sobreviver diante do luto e serve como retrato de um Brasil rural que parece esquecido e apegado ao passado e ao tradicionalismo. É uma trama simples que funciona sem firulas na tela.

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

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