“As Três Filhas”: Entre despedidas e reencontros, longa traz reflexão agridoce sobre vida e morte | 2024
A alteração dos títulos de filmes internacionais ao serem lançados em outros países ocorre por diversos fatores. Primeiramente, há o aspecto cultural e linguístico: o original pode não ser facilmente compreendido em outras línguas ou não ressoar de maneira adequada. O marketing é outro aspecto que desempenha um papel crucial, com adaptações feitas para tornar o título mais atraente. Por fim, considera-se a associatividade, ajustando o nome para fazer referência a algo mais familiar no contexto local ou para evitar possíveis ambiguidades indesejadas que a tradução literal poderia gerar.
Ainda que todo esse processo seja bem-intencionado, ele tem falhas, algumas bastante grosseiras, como no clássico “Persona”, que chegou até nós com o infame título “Quando Duas Mulheres Pecam”. Outros casos, menos graves, ainda apresentam problemas, como em “As Três Filhas”. O título original, “His Three Daughters”, traz uma diferença essencial, já que sua tradução literal seria “Suas Três Filhas”. Com isso em mente, é possível inferir que o filme não é sobre elas, mas sobre ele, o pai. Essa distinção é fundamental para compreendermos algumas escolhas criativas.
A trama acompanha três irmãs, Katie (Carrie Coon), Rachel (Natasha Lyonne) e Christina (Elizabeth Olsen), que se reúnem no apartamento do pai, que está nos estágios finais de um câncer. Enfrentando a dor da perda iminente, a convivência forçada reacende, entre elas, antigas mágoas e conflitos, antes adormecidos.
O longa se passa quase inteiramente na casa da família, onde o pai e uma das filhas, Rachel, vivem. Trata-se de uma residência modesta, típica de uma classe média urbana, com cômodos pequenos, exigindo um trabalho detalhado na composição dos enquadramentos. Durante os diálogos, predominam planos tradicionais, com um básico, porém eficaz, jogo de plano e contraplano. No entanto, há elementos visuais que enriquecem a narrativa e afastam a obra de uma abordagem teatral e estática, como o uso inteligente dos espaços e sua relação com o desenvolvimento da história.
A cozinha é inicialmente apresentada em uma tomada lateral que, por exemplo, oculta o interior da geladeira. Conforme a trama avança e os personagens se tornam mais próximos do espectador, a abertura da geladeira é seguida por uma tomada onde é possível ver dentro dela, simbolizando a crescente intimidade entre aqueles que compartilham aquele espaço e nós, o público. Na sala, a câmera frequentemente foca em um sofá de três lugares, representando as filhas, enquanto uma poltrona solitária, disposta à frente, é facilmente identificada como o lugar do pai. A ausência de alguém sentado nela em momentos importantes revela mais do que palavras poderiam expressar.
Nos quartos, os enquadramentos são geralmente fechados ou médios, exceto o quarto do pai, onde a câmera não adentra em momento algum. Ocasionalmente, com a porta entreaberta, vemos partes do ambiente, com um contraste de luz: enquanto os demais cômodos são iluminados por tons amarelados, o quarto do pai é dominado por uma luz avermelhada, criando uma atmosfera de tensão e afastamento. Além disso, o som do monitor cardíaco tem seu papel narrativo. O simples fato de ouvirmos um bip do lado de fora sugere que qualquer conversa ou discussão seria facilmente ouvida no lado de dentro, reforçando a presença invisível, mas ainda impactante, do pai, mesmo que apenas no extracampo.
O elenco também se sobressai, de começo, apresentando personalidades facilmente identificáveis: Katie, a mais velha, é autoritária e controladora; Christina, a típica esposa e mãe perfeita, cujo sorriso sugere que há algo de errado no paraíso; e Rachel, a mais desviante e distante dos padrões esperados. Cada uma carrega esses traços arquetípicos, mas com o passar da trama, essas características são desenvolvidas com mais profundidade. Embora bastante verborrágico, essa evolução não é tratada de forma didática ou explícita. Certos traços e verdades são apenas sugeridos ou parcialmente revelados, reforçando que o foco da narrativa não está, ao menos não inteiramente, nelas. O terceiro ato aborda essa nuance de maneira sutil e bastante eficaz.
O desfecho pode dividir opiniões ao utilizar elementos que até então não haviam sido propostos, mas essa escolha narrativa, embora inesperada, não chega a destoar do conjunto. No final, entrelaçando múltiplas despedidas e alguns reencontros, “As Três Filhas” se revela como uma obra agridoce, refletindo, de maneira delicada e fiel, as complexidades da vida e o inevitável e derradeiro fim.