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“As Linhas da Minha Mão”: Doc experimental abre espaço para o fluxo entre o real e a performance | 2024

Documentários experimentais são sempre veículos para que cineastas possam manipular de um modo mais radical uma gramática narrativa cada vez mais afeita à ousadia. Desafiando os limites entre realidade e performance desde sua gênese, o formato, que sempre se propõe a inquietar o espectador, encontra neste “As Linhas da Minha Mão”, que chegou aos cinemas de algumas cidades brasileiras nesta quinta-feira, mais um exemplar digno de nota.

Coautor do obrigatório “Arábia”, João Dumans se destaca como um dos nomes mais promissores de um dos maiores centros produtores de cinema do Brasil, a região de Contagem em Minas Gerais, de onde saíram obras magníficas como “Temporada” e “No Coração do Mundo”. Neste novo projeto, ele vai, a partir do improviso, fazer do encontro com a atriz Viviane de Cássia Ferreira plataforma para uma experiência sensorial e intuitiva em que a beleza reside justamente na possibilidade de irmos, pouco a pouco, compreendendo a proposta e tendo acesso à complexidade da figura que domina quase que por completo todos os quadros do longa.

Dona também do verbo, essa “performer entre a arte e a vida” (assim ela se intitula) expressa com muita clareza seus mais diversos estados emocionais. Das conversas pra lá de vagas com o primo sobre Nietzsche, às confissões que envolvem saúde mental – ela sofre de Transtorno Bipolar e depressão -, passando por suas experiências amorosas e profissionais, cada assunto que surge é dotado de uma inequívoca espontaneidade. Entre cigarros e latas de cerveja das mais variadas marcas, até os momentos mais angustiantes, tal qual a conversa com o amigo Douglas, em que pede com a voz embargada para não ser interrompida, o que poderia sugerir arrogância na verdade (e o que é isso?) acaba por transparecer uma necessidade de dividir algo: “É tenso isso.”, desabafa.

Com a câmera fechada em Viviane, o que nos permite observar bem pouco de seu entorno por conta da baixa profundidade de campo, o filme apresenta raros instantes de mudança na dinâmica narrativa, dentre os quais se pode destacar a “cena” em que Viviane caminha na chuva ao som de jazz e uma montagem de fotos com ares impressionistas. Além disso, o olhar humanista de Dumans pouco invade o fazer artístico da integrante do grupo teatral Sapos e Afogados na prática em seu dia a dia, talvez como se indicasse que isso já estivesse acontecendo sob um verniz de realidade.

Grande vencedor da Mostra Aurora do Festival de Tiradentes de 2023, “As Linhas da Minha Mão” abre espaço para uma aproximação bem íntima entre realizador, seu “objeto” de interesse e o espectador, mesmo que este último se mantenha na sua habitual posição, em segurança. Com a presença constante de Viviane, Dumans mostra todo seu fascínio por aquela figura ímpar e bastante disposição para compartilhá-lo. Basta que estejamos abertos para uma conexão que se firme quase que exclusivamente através daquilo que o outro tem a dizer.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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