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“Aquela Sensação Que o Tempo de Fazer Algo Passou”: Comédia indie sobre BDSM reflete o talento da atriz e diretora Joanna Arnow | 2024

Há algum tempo a diretora e atriz Joanna Arnow vem causando um discreto buzz no circuito de festivais com suas obras que propõe reflexões afiadas sobre as relações humanas e tudo que as circundam. Arnow não poupa o seu público de cenas desconcertantes ou de diálogos non sense em seu mais novo Longa Metragem, “Aquela Sensação Que o Tempo de Fazer Algo Passou” (2024), que estreia esta semana nos cinemas brasileiros. O filme rodou festivais de cinema como Cannes, Festival de Cinema de Nova Iorque e o Festival Internacional de Cinema de São Paulo em 2023.

Com uma carreira calcada mais em curtas-metragens como “I hate myself” (2013) e “Laying Out” (2019), Joanna Arnow tem a possibilidade de dirigir e estrelar esta pequena comédia indie sobre Ann (Arnow), uma nova iorquina judia que concilia seu trabalho disfuncional em um escritório e sua relação sadomasoquista com um Mestre interpretado por Scott Cohen. Em boa parte da narrativa, Ann se dedica a servir ao seu Mestre, Allen, de acordo com os seus desejos e caprichos na cama ou nos cômodos do apartamento dele. Ela passa a maior parte do tempo nua, seja lambendo o mamilo dele ou de quatro em total posição de submissão. Aqui não há críticas ao fetiche ou a tara nas dinâmicas de Ann e Allen, a obra permite que o público acompanhe aquelas cenas com um caráter praticamente voyeurístico e neutro. Ann, com sua apatia constante, parece se nutrir dos mandos e desmandos do Mestre principal e de outros interesses sexuais que ela encontra pelo caminho através de Apps específicos para a sua tara.

Dividido em capítulos que destacam os homens que Ann se envolve para a prática do BDSM, Ann realiza seus fetiches de forma mecânica e sua feição na maior parte do tempo é apática, o que reforça a falta de sentido que aquelas ações tomaram em sua vida, acabaram virando o vício pelo vício. A dinâmica de relacionamento de Ann muda quando entra em cena Chris (Babak Tafti), um rapaz que oferece a ela um romance tradicional, tornando-a um pouco mais solar e permitindo mostrar mais de sua personalidade, como o interesse pela Broadway e sua obsessão por saber de cor todas as músicas do Musical Les Miserables. No entanto, o fato de o rapaz ser um bom moço e ter qualidades tão distintas dos seus relacionamentos BDSM, causa estranheza na protagonista, acostumada a servir de mero objeto de prazer e não de afeto aos seus Mestres.

Alternando cenas de BDSM com as interações hilárias em seu trabalho e com seus pais (ela escalou seus pais de verdade para o filme), Joanna Arnow monta um mosaico desconcertante do cotidiano desta protagonista imperfeita e com uma vida de taras e relações humanas tragicômicas. Joanna sabe de forma habilidosa conduzir o público na jornada de Ann e propor um contato com figuras não tradicionais e com desejos sexuais muito pouco retratados pelo Cinema Mainstream. Pode ser incômodo para uns e divertidíssimo para outros. Para mim, foi um retrato interessantíssimo de personagens e protagonista que não fazem um décimo de esforço para ganhar o público com carisma ou boas ações, mas nos conquistam pelo fascínio de escancarar dinâmicas sociais muito distantes do que estamos acostumados a acompanhar.

O potencial da veia de dramedy de Arnow é enorme e prevejo um futuro para ela que ainda dará o que falar. Pelo menos esse talento já foi percebido. Este filme é produzido pelo queridinho do Cinema Indie, Sean Baker, que acabou de voltar de Cannes com a Palma de Ouro por “Anora” (2024).

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

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