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“Apocalipse nos Trópicos”: Documentário de Petra Costa é relato alarmante sobre a interferência religiosa na política brasileira | 2024

Em 2020, quando a diretora brasileira Petra Costa foi indicada ao Oscar de Melhor Documentário por “Democracia em Vertigem” (2019), obra contundente sobre a ascensão e queda da ex-presidente Dilma Rousseff, sua projeção ganhou contornos mundiais, colocando o tumultuado cenário político brasileiro daquele momento sob os holofotes. Costa não levou a premiação para casa – “Indústria Americana” (2019) acabou ganhando na categoria – mas a expectativa de qual seria seu próximo projeto cresceu. Apesar de ter anunciado que não focaria novamente na política brasileira como tema, acabou sendo capturada pela influência dos grupos evangélicos no ambiente político quando presenciou, em uma de suas idas ao Congresso Nacional, a bancada evangélica abençoando os assentos dos parlamentares no Plenário da Câmara dos Deputados. Além da benção fervorosa, Petra testemunhou uma espécie de comoção desse grupo orando e falando em línguas na Casa do Povo. A partir deste evento, Petra decidiu seguir com a ideia de realizar “Apocalipse nos Trópicos”, que foi lançado mundialmente no Festival de Veneza, no New York Film Festival e passou recentemente pelo Festival do Rio.

Em certa passagem do documentário, pastores políticos pedem pela intervenção divina nas três instâncias de Poder – Executivo, Legislativo e Judiciário – e destacam com orgulho que a Bancada evangélica cresceu de 5% dos membros da Câmara para 30% atualmente nas últimas décadas. A obra ganha um protagonista quando o Pastor Silas Malafaia entra em cena para expor sua intimidade com sua família e bate um papo desconcertante com Petra Costa em seu escritório. Malafaia é um artista nato e ele monopoliza a câmera toda vez que entra em cena, garantindo ao público desde risos involuntários até choque em face de sua personalidade agressiva e manipuladora. Em entrevista recente à Veja, Costa afirmou que ele é uma figura midiática, que gosta de falar com a imprensa e o público, mas levou algum tempo para que ele se sentisse confortável em compartilhar suas opiniões políticas e críticas aos seus próprios aliados. Sua importância e influência na eleição de Jair Bolsonaro para Presidente do país é escancarada no Documentário.

Com uma estética de encher os olhos e com belas tomadas panorâmicas de Brasília, o documentário é dividido em capítulos que fazem alusão à Bíblia e referências visuais a obras de arte com temáticas religiosas. Petra narra o documentário com sua visão afiada sobre o movimento evangélico interferindo nas engrenagens políticas nas instâncias municipais, estaduais e, principalmente, na federal. Não deixa também de abordar a gestão desastrosa do COVID-19 no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, dando destaque para os comentários desumanos dele à época dos picos de mortes da pandemia: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre…”.

Em sessão no Festival de Cinema de Nova Iorque que foi seguida por uma mesa de perguntas e respostas com a diretora, Petra ressaltou o simbolismo que tinha lançar um relato político tão assombroso como este há algumas semanas das eleições dos Estados Unidos e convocou o público a usar sua obra como reflexão sobre qual seria a melhor escolha nas urnas, afinal o apocalipse brasileiro não parece estar tão distante do apocalipse norte-americano. O gosto de déjà vu se intensifica para o público americano, pois “Apocalipse nos Trópicos” se encerra com os eventos lamentáveis que ocorreram no dia 8 de janeiro de 2023 com a invasão de manifestantes pró-Bolsonaro no Congresso Nacional, tal qual ocorreu no Capitólio em Washington no ano de 2021.

Em linhas gerais, a mais nova obra de Petra Costa reforça a habilidade da diretora de capturar cenas reveladoras de seus entrevistados, compor uma narrativa poderosa sobre evangélicos e política no Brasil contemporâneo e promover o cinema como ferramenta política para reflexão e informação. A diretora acerta mais uma vez em trazer luz a temas relevantes e com um acabamento visual mais apurado do que “Democracia em Vertigem”.

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

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